Já se ouvia o barulho gotejante da chuva raspando ferozmente o vidro da janela. Eram seis horas da manhã e meus olhos já fitavam o teto a contar os nós da madeira. O dispositivo mental havia sido programado para acordar mais cedo, afinal eu tinha alguns compromissos pela manhã inteira. Compromissos que, se a gente se atrasa, alguns impropérios são lançados para nos cobrir da cabeça aos pés. Deitada, tentando me sentir culpada antes da hora, levantei-me de súbito e num prazo de dez minutos eu estava me sentindo acordada e meio confusa.
Com a visão menos embaçada, comecei pela tarefa que exigiria mais trabalho: uma síntese crítica. Que maçada logo numa manhã chuvosa! A cama tão convidativa, o travesseiro chamando pelo meu nome e eu abnegando-me desses luxos preguiçosos. Vontade não me faltou de me estirar na cama, cobrir-me com o cobertor e dormir por mais, no mínimo, três horas. Só que depois a única a arcar com as consequências seria eu. Além disso, ainda que não houvesse um tique-taque frenético nos meus ouvidos, algo a minha frente logo desempenharia a função do despertador chato, o celular. Estava estampado na tela daquele telefone móvel que, se eu me dedicasse a mais alguns minutos de indecisão, seria punida. A única forma de evitar qualquer embaraço era me dedicar ao que de fato me fez despertar nesse horário em que os galos ainda estão dormindo.
Eram oito horas e apenas um parágrafo se desenrolara graças à lentidão do meu raciocínio. Como se isso não bastasse, ele parecia me encarar com tom de deboche por meio da tela do notebook. Convicta de que eu devia terminar antes das nove horas, reiniciei o processo de leitura e produção de texto com a presteza de alguém que acaba de acordar. O que antes era somente um parágrafo a confrontar-me, meia hora depois transformara-se num texto bem disposto numa folha de papel A4. O primeiro passo eu havia concluído com êxito, bem como as demais atividades que elenquei fazer nesta manhã.
Almocei, me arrumei, organizei os papéis das disciplinas de hoje e fui à Universidade. Ao abrir a porta da sala de aula, dei de cara com três colegas debruçadas cada qual em um ofício diferente e o pior: a professora não estava lá. Avistei de relance uma frase em giz branco contrastante no quadro verde: "Hoje não terá aula da professora Fulana". Uma corrente elétrica perpassou o meu corpo inteiro a me chicotear. Nem para justificar! Lembrei-me da cama, do cobertor e, principalmente do travesseiro que me encararam pela manhã. Esse último, por causa da pontada de raiva que senti, adquirira um semblante de pena. Mesmo assim, me persuadi de que as atividades já estavam prontas e que outro dia seria poupado, tentando me convencer de que não foi tão ruim assim acordar cedo.
Correu a primeira "aula", veio o intervalo e a continuidade deu-se como de hábito. Entretanto, a professora do segundo horário nos soltara mais cedo a fim de conversar a sós com umas colegas a respeito de trabalhos/apresentações. Considerando que chegaria a casa uns vinte minutos antes, planejei ir à academia. Esse pensamento foi tão forte que consegui me ver diante do espelho executando as séries, como também me vi caminhando na esteira por quinze minutos, que é o tempo dedicado por mim e estabelecido pelo instrutor. Em casa, tomei café ao mesmo tempo em que elegia mentalmente a roupa adequada para realizar os exercícios de hoje. Alimentava assim o meu estômago vazio e a mania de ser perfeccionista em coisas banais.
Pronta, com os tênis, calça de ginástica, moletom quentinha com capuz para me proteger dos respingos pluviais sento-me perto da televisão e começo a pensar. Em quê eu não sei exatamente, porém o fluxo de ideias foi tão intenso ao ponto de eu concluir que hoje eu não queria fazer atividade física. Não era uma vontade pura, eu diria. Inseri nessa conclusão a problemática da mensalidade como contra-argumento, e foi em vão. Os planos foram com a chuva, assim como as horas voaram pela manhã. Infelizmente, assim como o sono e a preguiça foram esbofeteados e rapidamente atirados pela janela às seis horas. Antes eu não tivesse saído do aconchego, foi tudo uma perda de tempo. Maldito celular.