Desta vez nenhum celular foi perdido, pois não havia celular. Nenhuma conversa pelo computador, pois não havia tempo. Responsabilidade, a palavra que bloquearia qualquer chance de desviar a atenção do Fórum das Licenciaturas. A garota propaganda ali, a minha frente, eu nem pestanejei e nem pensei em propor peraltices à margem desse seu comprometimento. Não só porque ela estava fazendo parte da organização, como também eu me esquecera do quanto persuasiva eu era.
Enquanto eu estava dentro do ônibus, vi minha amiga
caminhando com passos resolutos em direção a minha casa e lhe preguei um susto
ao gritar "Ô, garota propaganda do Fórum das Licenciaturas" às suas
costas. O susto ela até poderia perdoar, porém um repeat do ato persuasivo, não. Aliás, eu já havia preestabelecido
que iria com mais quatro meninas ao evento e, sem querer, faria a reserva do meu dom maléfico para outra ocasião. Tirar algumas fotos era um subterfúgio
que encontrei como estímulo para comparecer à palestra. No encerramento,
percebi que ela não me causara sonolência, porque murmurei algumas críticas a
respeito da abordagem da palestrante às minhas amigas.
Assim que o calor da discussão foi esfriando, as
que eram cinco se dispersaram e no final sobrariam somente três. Resolvemos,
então, fazer algum passeio pelo shopping. Um passeio que contemplaria
certamente as costumeiras risadas, maldizeres carinhosos, sorvete e fotos.
Muitas fotos. Cada tick da câmera do celular, um comentário, e ainda que
fosse maldoso, sabíamos que o real intento de ser proferido se devia ao humor. Ou não. Sentadas
nos bancos dos andares superior e inferior, subindo pelas escadas rolantes, acomodadas
nos assentos da dentista, do ônibus, tudo era motivo para estamparmos um
sorriso.
O dia sucedeu-se com gargalhadas resultantes de piadas
sórdidas: a palestrante que gesticulava sem controle e/ou deixava lacunas na
explicação; perguntas genéricas; futura queda no ônibus. A respeito dessa última, a
graça brotara justamente pelo rubor que as faces da menina deixaram-se dominar.
O vexame fez a jovem estudante sentar-se nos bancos com uma coordenação envidraçada.
Um vidro escarlate. É da vergonha que toma conta nos espaços públicos repleto
de pessoas que estou falando. Olhei para a minha amiga ao lado, engoli o riso, os
olhos não se conteriam por muito tempo e logo exprimiram lágrimas sutis. Essas
mesmas lágrimas que outra amiga pode ter tido quando se apalpara na biblioteca
procurando pelo celular devido ao poder persuasivo. Ao mesmo tempo em que rio,
assumo ter vergonha da astúcia para sair ilesa de
determinadas situações que me é ausente.
Sei que tudo passa. Provavelmente a garota do
tropeço já se descompôs de sua forma petrificada e tornou a ser a menina que
caminha com tranquilidade. A professora provida de argumentos que não me
atingiam está ministrando suas aulas, concluindo a sua dissertação, engordando
o seu Lattes. A minha amiga do
celular nem imagina que está sendo descrita neste blog como a “Garota Propaganda do Fórum das Licenciaturas” e que rememorei a perda do seu mobile phone. Enquanto
isso, depois que tudo supostamente passou, eu tento me desapegar do mal que me
consome redigindo este texto. Sem rir.
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