Esses dias um amigo e eu estávamos conversando em inglês no terminal para tentar desenvolver nossa habilidade oral, visto que há uma série de acontecimentos que nos impulsiona a esse feito. Independentemente da ordem a que pertencem nossos motivos, estávamos concentrados e entusiasmados pela ideia de nos comunicarmos. Além disso, da vantagem de pensar em língua estrangeira e ter um aprimoramento linguístico, a espera pela chegada do ônibus seria menos árdua e cansativa.
Era um dia pós-aula qualquer. Na verdade, não tão qualquer assim, pois no dia seguinte eu teria que ir ao colégio onde eu ministraria aulas de redação e, por isso, havia uma terceira finalidade naquela conversa: abstrair a minha ansiedade. Ainda que meu amigo soubesse a respeito da minha inquietude, ele pareceu não ter notado e o assunto continuava até que alguém gaguejasse. Desse modo, mudávamos de tópico e explorávamos outras palavras estrangeiras.
Nesse meio tempo, com um papel repleto de nomes e números de celulares, uma menina caminhava na nossa direção e pedia autorização para nos entrevistar. Respondi afirmativamente por primeiro atendendo seu olhar enquanto o meu amigo relutava em aceitar ou proferir alguma palavra compreensível na língua materna, afinal seu cérebro estava sendo manipulado para interagir em inglês durante quinze minutos ininterruptos.
As questões eram relativamente básicas: nome, sobrenome, profissão, data de nascimento e número do celular. Se eu disse a verdade ou não só meu amigo e eu sabemos, mas respondi a todas em bom tom. No final da "entrevista", a moça alegara que dizia respeito a um curso técnico e a área específica seria escolhida por mim, caso eu fosse sorteada. Assim que finalizada a bateria de perguntas, ela se voltou para o meu acompanhante e repetiu a cena. Antes de concluir o questionário, outra garota que estava nos observando de soslaio apurou-se em fazer a apresentação e seguiu o mesmo roteiro de sua antecessora.
Contudo, ao término, ela inovou com duas perguntas: "Você faria que tipo de curso entre 'moda', 'corte de cabelo' e 'maquiagem'?" - e como a opção foi maquiagem - ela continuou: Você faria esse curso no valor de R$**,**? - respondi que sim. Quando ela marcou um x no espaço que correspondia à última pergunta, eu percebi que não me passara antes a hipótese de um dia maquiar alguém e ganhar dinheiro com isso. Meus devaneios sumiram no momento em que ela passou reto pelo meu amigo, e interpretei como uma situação que envolvia as questões de gênero.
Ao ver que a menina recusara interrogá-lo a respeito de cursos construídos socialmente para as mulheres, meu amigo me olhou espantado. Perguntamos um ao outro acerca do porquê da menina desmerecer um homem para essas funções ditas feminis. Será que apenas por ele ser homem o faz incapaz de ser bem sucedido na área? Ou ela se esqueceu de homens maquiadores, cabelereiros e estilistas que estão na mídia e que fazem dinheiro tanto quanto as mulheres?
É possível que, por sermos constantemente "educados" a pensar que essas atividades exigem sensibilidade, que está diretamente relacionada à mulher, a garota, fruto dessa "educação", evitou causar algum conflito. No entanto, ao mesmo tempo em que ela agiu conforme o que geralmente se espera da sociedade, ela desencadeou várias perguntas em nós dois. A nossa postura se refere à avaliação do fenótipo de meu amigo, ou seja, o fato de eu ser mulher não me faz uma boa maquiadora - e particularmente me acho péssima em tais funções - e o fato dele ser reconhecido como homem em sua aparência não o faz um mau maquiador, por exemplo. Provavelmente não percebemos a quais valores nos submetem a todo tempo e, deixando esse tipo de conduta passar despercebido, nos tornamos cúmplices de um pensamento reducionista quase sem querer.
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