sábado, 23 de março de 2013

Seu caminhar

Um frio na barriga e a conversa parecia fluir naturalmente. A preparação fora feita há cinco dias, mas nada do que eu dizia constava no cronograma. Sentia-me feliz por saber que a garota estava se distanciando. Questionei-me a respeito dessa insegurança, tão inútil quanto eu ter que me afastar. Restavam-me duas opções: ser extremamente franca ou fingir; esta não era a melhor saída e aquela faria alguém notar. A cena rodava, o filme se repetia e a emoção intensificava. Aguardo o seu adeus inaudito e desejo que você vá embora de uma vez. 
Malvada: com todas as forças visíveis e invisíveis, audição mais apurada e olhos atentos no seu lento caminhar, quase admirável. Eu me negaria a elogiá-lo, mesmo sabendo que era hipnotizante. No mínimo, uma exceção. Imperceptivelmente geniosa, nunca admitiria fazer parte do grupo que o acompanhava com delicadeza, ainda que ela fosse uma garotinha, ou ansiava por ser. Um caminhar esquisito, em minha opinião: infantil, medíocre, descompassado, sem orientação.
Contudo, era nesse caminhar que o meu ciúme se concentraria a breves meses. Sentia-me corroer quando ouvia aqueles passos. Odiava perceber que eles chamavam a atenção, que alimentavam o seu ego e os enchiam de qualidades, sendo ao mesmo tempo tão comuns. Ela nem se dava conta do charme que seus pés levavam e seguia distraída enquanto que a minha obsessão nutria-se por observá-los. Gastava o meu tempo em estudá-los para obter alguma justificativa para tamanho apreço. Em vão.
Depois de fazê-la rir ingenuamente com algumas frases mal construídas e carregadas de intenção, resolvi desistir e deixá-la em paz. Embora seus passos encontrassem os meus constantemente pelos corredores vazios, eu realmente havia me desapegado daquela garota. Quebrei o mal que pouco a pouco crescia com o meu veneno. Pude enxergar-me no espelho pelo espaço que antes era ocupado pelas minhas doses de despeito, as quais não eram bem minhas e eu insistia em tornar-me proprietária. Assim, desatenta aos seus caprichos impensados, desatei-me dos nós que a ela me via presa.
Hoje, depois de tanto tempo sem vê-la, soube de sua viagem para fora da cidade. O informante teve o despropósito de ressuscitar velhos pensamentos, mas a notícia fora capaz de mudar o meu humor, ainda que a expressão facial exibira-se desapontada. Voltei a casa com um leve sorriso. Culpei-me por estar assim e sorri novamente. Custou-me confessar que, apesar de agora me ser indiferente, aquela garota me dava náuseas e o som do seu caminhar agitava os meus nervos.

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