quinta-feira, 2 de maio de 2013

Trinta minutos

Ao me aproximar do ponto de ônibus, cumprimentei uma senhora de feições simpáticas. Perguntei a ela se havia muito tempo que estava esperando e atenta respondeu-me que não. Comentamos a respeito do atraso que a viação está tendo neste ano; é absurdo o descaso com os/as passageiros/as, afinal muitos/as a tem como única opção de meio de transporte para o trabalho, estudo. Chegar atrasado/a está virando hábito, um hábito imposto, e não adianta chegar mais cedo, a demora consiste num tempo além de trinta minutos. Os horários estão todos desconfigurados, embora constem no site oficial da empresa.
Essas ideias foram compartilhadas com a minha interlocutora. Imersa nas críticas, ela perguntara se eu trabalhava ou estudava, e respondi que as duas coisas, mas que naquele momento estava indo estudar. Adicionei às informações o local de trabalho e estudo, as quais pareceram quebrar a zona de reflexão da senhora, que se recordou de sua neta. Informou-me que a menina que possui quinze anos também estuda, porém só por causa do incentivo do pai, porque seu passatempo preferido é estar em frente ao computador e celular. Com um sentimento expresso nos olhos, a avó disse-me que "nem o quarto ela arruma. Toda mocinha deve ser organizada!".
Sem que a senhora notasse, fechei as mãos e as apertei para conter meus impulsos verbais. Eu não queria ser mal educada, mas limitar a organização como função do sexo feminino é algo que me instiga. A depender do nível da afirmativa, da problemática e do preconceito, acabo com o rosto vermelho e disparo nas palavras. Neste caso, eu precisava fazer com que aquela senhora repensasse a última frase. Fazê-la refletir de quanta ideologia estava carregando.
É impressionante como no discurso a alusão à organização se dá primeiro ao gênero feminino. Não é tão impressionante assim se nos situarmos no tempo e espaço. Vivemos um momento em que a mulher ainda é o sub, embora tenha alcançado o direito ao voto, a estudar, trabalhar e a ter voz. Por esses motivos, refiz a frase para desconstruir o sexismo que dela emergia a cada vez que era proferida. Alertei a senhora de que o homem também precisa ter um quarto organizado. Todos e todas precisamos ser organizados. Embora não atingimos essa proeza cem por cento do tempo, temos em mente que é uma postura de extrema necessidade.
Enquanto o ônibus não aparecia, nós duas passamos também pelo assunto de dona de casa. Ela disse que sua neta não gostava de ajudar e que afirmava "um dia eu vou ter uma empregada". Limitar-me-ei em discorrer apenas pela atividade doméstica; se bem que eu poderia comentar acerca do artigo final da profissão... Eu falei àquela senhora que a sua neta precisava, sim, aprender a fazer as atividades, pois se um dia, e pensemos em consonância com a menina, ela ter uma empregada, o serviço necessitará da supervisão de quem paga. Se quem paga não sabe pelo que está pagando, está sendo enganado. Infeliz sociedade capitalista, exploradora. O incentivo para a menina aprender a fazer a atividade doméstica voltava-se para entender como é que um dia ela iria requisitar os serviços.
Contudo, esclareci que se a neta resolvesse ser dona de casa, que isso partisse dela, mesmo sabendo que se tem o direito de fazer outras atividades. A questão é que a dona de casa sofre com a sobrecarga, além da falta de remuneração. Quem está sob essas condições nutre boa parte dos/as trabalhadores/as, até elas mesmas, pois muitas são concomitantemente trabalhadoras e donas de casa. Disse ainda que as atividades domésticas, se envolvidas no contexto do casamento, precisam ser divididas, pois envolvem o lavar a louça, passar a roupa, cuidar dos filhos/as etc. Nada mais justo do que casal se inserir no acordo de divisão das tarefas. Por isso, falei àquela avó atenta, não podemos excluir os homens dessas atividades: não eduquemos apenas as meninas a serem donas de casa, mas eduquemos meninas e meninos a realizar as atividades domésticas. Ambos estarão cientes de que o desempenho delas é possivelmente colaborativo. Só finalizei a conversa, porque o ônibus chegara, mas tenho a certeza que fiz aquela senhora reconsiderar algumas atitudes, até mesmo porque eu acabei vendo alguma vantagem na demora do ônibus.

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