Estudar para uma prova que poupa alusões para o fracasso, logo num dia preguiçoso, não o fará pior, ou melhor. O medo e a ansiedade que te consumirão certamente podem roubar o seu apetite e o seu bom humor. Foi exatamente o que percebi após três horas lendo o livro, objeto central da prova. Era quase meio-dia e eu não havia almoçado, sequer trocado de roupa. Os pijamas e o cabelo desgrenhado não me deixariam mentir. Além disso, lembrei que o tempo se encurtaria ainda mais devido a eu ter que refazer dois trabalhos e imprimi-los. Detalhes que, quando se está com pressa, são suficientes para se proferir alguns palavrões. Assim, comuniquei aos demais (papai e mamãe) que, iria à aula sem almoçar. O que era ficar sem comer num dia que só estava anunciando que seria uma merda? Só um fator a mais, o que nesse caso para mim é nada.
Na universidade, meus pensamentos se dissiparam. O mau humor também. A fome nem havia aparecido, mesmo assim, receosa, comprei umas balas para enganá-la quando chegasse. A prova não foi fácil, mas era o que eu esperava. Quando a finalizei, senti que minhas costas, pescoço e mãos estavam doloridos e minha visão havia ficado embaçada devido a eu ter empregado toda a minha força e concentração durante uma hora e meia! Saí da sala, encontrei uma amiga que pediu para eu permanecer até as 20h20 na universidade e esperá-la. Assenti sem hesitar e aí, sim, o dia me daria o golpe. Fui enganada desde o início.
Primeiro, fiquei conversando com outra colega do noturno acerca do desenvolvimento do curso e o meu ponto de vista. Ela comentava que, ainda que sejam turnos e professores diferentes, estava de acordo com meus apontamentos. Nesse meio tempo, chegou um senhor perguntando onde era a saída da universidade num tom levemente irritado e o olhar passeando pelo corredor do terceiro andar. Informamos que bastaria que ele descesse todas as escadas e encontrá-la-ia. Contrariado, o senhor elevando a voz disse-nos que já haviam o mandado subir, agora o mandam descer. Como assim? Atendendo às nossas instruções, seguiu resmungando. Minha amiga e eu nos entreolhamos e prosseguimos com a nossa conversa até o momento dela perceber que a professora já estava na sala. Despediu-se e saiu. Eu pensei: E agora? Minha outra amiga só sai às 20h20! Vou sentar-me nos bancos desse corredor e fazer o que ela me pediu.
Quando você está a ler alguma coisa é grande a probabilidade de chegar alguém perturbá-lo. Reagiria habitualmente se esse alguém não estivesse fedendo a álcool. Mesmo assim, tentei ser atenciosa, afinal o bêbado era filósofo e poeta. Quis declamar uma poesia a mim, tão nobre da parte de um acadêmico ébrio! Se não fossem os amigos dele, estaríamos até amanhã falando de dor e amor e seus conceitos. Foi uma situação simultaneamente cômica e triste, pois se tratava de um jovem. Um jovem que declarou querer se formar no curso de História. Obviamente pensei "por que diabos você faz Letras?" Mas não me encorajei de pronunciar, pois daria muito pano para manga àquela altura. Enquanto os amigos tentavam persuadi-lo para entrar na sala, eu escapei do campo de visão deles e me ocultei na biblioteca. Lá nada poderia ser tão díspar do que o dia havia proposto inicialmente.
Ainda atormentada com o discurso daquele que estava fora de si, não sei por qual razão comecei a ler um livro sobre Neoliberalismo. Folheei algumas páginas, mas nada do que li fez sentido. Aliás, desde que saí daquele corredor, nada mais fez sentido. Decidida em deambular pela universidade fui pegar minha bolsa. Quando abri o armário, minha bolsa começou a falar comigo, porém a voz era a da minha mãe. Meu nome foi pronunciado duas vezes, a segunda vez foi de maneira irritadíssima. As pessoas que estavam próximas, receio que ouviram, pois me olharam com um ar questionador. O que era aquilo, afinal? Até agora não me conformo que ao esbarrar na bolsa eu atendi o celular e, não o bastante, coloquei na função Viva-Voz. Foi a coisa mais absurda que já me aconteceu. Definitivamente, pensei, minha vida é uma piada. Esqueci-me de qual rumo haveria de tomar e resolvi voltar ao corredor, mas do segundo andar, e ficar aguardando a minha amiga. Cinco minutos depois estava eu a conversar com uma professora. O ímã estava forte hoje.
Essa professora faz parte de um grupo de estudos ao qual também pertenço. Ela comentava sobre a dificuldade de seus alunos aprenderem inglês até que outro colega, de outro grupo de estudo se aproximou perguntando a respeito das próximas leituras a serem feitas. A professora saiu de cena e eu fiquei conversando com esse colega. Percorremos assuntos como textos para leitura obrigatória, fichamentos, superstições, número treze, proficiência em inglês, sites de conversação, interesses de projetos de extensão, Mestrado e, depois de tanto conversar, me dei conta que eram 20h20! Pedi licença e fui ao encontro da minha amiga que já me esperava com um olhar de reprovação. Dissimulei não ter percebido e partimos.
Enquanto caminhávamos, eu falava a ela sobre o bêbado acadêmico poeta. Num instante veio ao nosso encontro um homem meio cambaleante a perguntar a localização de determinado bar. Ele nos abordou de uma maneira tão incomum: olhou-nos como se fôssemos conhecidos e perguntou. Simples assim! Concluímos que era o dia dos bêbados! Enquanto esperávamos o ônibus que demorou uma eternidade para chegar, percebi o quão intensa estava aquela chuva. Fiquei pensando se na quinta-feira, dia 26-04, estaria assim pela manhã em Curitiba. Para me desvincular desses pensamentos, recomecei o meu relato do dia e chegamos à rua de casa rindo descontroladamente, pois minha mania de ridicularizar os fatos é tão aguda à noite, ainda mais quando se trata do que vivi há pouco.
Entrei em casa mais leve. Ao ver meu Facebook, notei que haviam postado no meu mural. A pessoa que postou é a menos interessada em estudar da nossa sala e o motivo era perguntar se eu fiquei com a sua primeira versão da sequência didática. Ela confessou que refazer as atividades era um de seus objetivos desta noite, mas se desesperou ao não encontrar o documento. Ainda que por engano, senti-me culpada, afinal eu realmente estava com aqueles papéis. Fui eu quem a impediu de executar sua tarefa. Um momento tão raro da vida dela e sou eu a responsável pelo desmoronamento. Em suma, posso afirmar: quanta incoerência num dia só!