Eu não sei o porquê, mas hoje vieram algumas lembranças da minha infância enquanto assistia à missa de Aleluia. Tentei culpar os cantos, pois são lentos e as cantoras possuem voz aguda, os quais me deixaram absorta. Porém, desde que acordei fiquei assim, longe de mim mesma. Mais longe fiquei dos outros, tal como se houvesse um abismo entre eles e a minha mente. O corpo nos protege desse tipo de ausência. O perigo está em alguém tentar interagir, pois não haverá resposta. Por isso quando minha mãe jogou um chinelo ao meu lado para me assustar enquanto eu organizava os papéis que estavam espalhados pelo chão minha única resposta foi essa: assustar-me superando as expectativas. Respondi intensamente ao intento e ao estímulo provocado pelo estalo. Isso não só porque o estalo por si só já tem essa característica de assustar, como também o fato de eu estar "longe". Imediatamente tranquei a porta, fiquei carrancuda e me questionei a respeito de tamanha ira. Achei estar exagerando. Até esse momento eu ainda não tinha notado que meu pensamento havia se desvinculado do meu corpo numa distância tão grande. É como se eu viajasse sem me dar conta de já estar a caminho, apego-me ao silêncio da estrada, entro em transe e só percebo isso depois de alguém buzinar, fazendo-me esquentar de vergonha ou raiva. Destranquei a porta, melhorei a expressão facial e continuei a arrumar os meus papéis como se nada tivesse acontecido. Foi só um susto - retorqui a mim mesma.
Depois disso, minha mãe e eu resolvemos ir à missa de Aleluia. Na igreja só se ouviam os murmúrios. Pronto! O sono se apossou de mim. Mas não era o sono, era a nostalgia, só não soube identificá-la de imediato. Era nostalgia porque por menor relação que as palavras cantadas tivessem com minha infância, eu as relacionava. Nessas analogias, lembrei-me de um Natal no qual meu pai comprou uma luneta de presente para o meu primo. Eu fiquei encantada e só não ganhei também por ela ser considerada um brinquedo de menino. Meus pais não me falaram isso explicitamente, mas só pela reação deles quando eu pedi (e eu ainda me lembro disso claramente) foi muito esclarecedora. Eu pouco me importava com o público alvo daquele brinquedo, se realmente era ou não brinquedo de menino, a luneta permanecia boa parte do tempo em minhas mãos. Toda vez que eu ia à casa desse meu primo, eu a pedia emprestada e olhava as estrelas. Foi um brinquedo que serviu para aguçar nossa criatividade e nossa curiosidade. De dia ou à noite, olhávamos para o céu e ele era diferente por meio daquela luneta. Ela parecia mágica. A única que possuía o poder de nos fazer realmente ver. Eu supus que entre tantas outras que estavam com ela no dia em que fomos comprá-la, meus pais e eu escolhemos a privilegiada como presente.
Meu primo que a emprestava sempre de bom gosto, trocava comigo as impressões celestes que ele teve instantes depois de eu ter olhado o mesmo céu. Era uma discussão boba que não levaria a lugar algum. Não levaria a lugar algum ao tratar-se de astrologia. Em contrapartida, relembrar essa discussão faz reavivar imagens de uns doze anos atrás e se tento retratá-las é porque me trazem um sentimento nostálgico e gostoso. Imagens de um tempo que não volta não só devido ao meu primo que, há sete anos, mora em Maringá, como também porque crescemos. Hoje ambos não possuímos aquela inocência de ver o céu e imaginar o que há por trás dele para comentar a respeito. Não temos nem tempo para ficar nessa atividade que para nós é considerada lúdica. Entretanto, só por expor minhas lembranças e compartilhá-las com os leitores já é algum feito positivo do passado. Era a esse lugar que a discussão me levaria. Lembranças que permanecem bem guardadas após doze anos. Já a luneta, ainda que mágica, não pôde se salvar.
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