terça-feira, 25 de setembro de 2012

O tempo e o vento

Já se ouvia o barulho gotejante da chuva raspando ferozmente o vidro da janela. Eram seis horas da manhã e meus olhos já fitavam o teto a contar os nós da madeira. O dispositivo mental  havia sido programado para acordar mais cedo, afinal eu tinha alguns compromissos pela manhã inteira. Compromissos que, se a gente se atrasa, alguns impropérios são lançados para nos cobrir da cabeça aos pés. Deitada, tentando me sentir culpada antes da hora, levantei-me de súbito e num prazo de dez minutos eu estava me sentindo acordada e meio confusa.
Com a visão menos embaçada, comecei pela tarefa que exigiria mais trabalho: uma síntese crítica. Que maçada logo numa manhã chuvosa! A cama tão convidativa, o travesseiro chamando pelo meu nome e eu abnegando-me desses luxos preguiçosos. Vontade não me faltou de me estirar na cama, cobrir-me com o cobertor e dormir por mais, no mínimo, três horas. Só que depois a única a arcar com as consequências seria eu. Além disso, ainda que não houvesse um tique-taque frenético nos meus ouvidos, algo a minha frente logo desempenharia a função do despertador chato, o celular. Estava estampado na tela daquele telefone móvel que, se eu me dedicasse a mais alguns minutos de indecisão, seria punida. A única forma de evitar qualquer embaraço era me dedicar ao que de fato me fez despertar nesse horário em que os galos ainda estão dormindo.
Eram oito horas e apenas um parágrafo se desenrolara graças à lentidão do meu raciocínio. Como se isso não bastasse, ele parecia me encarar com tom de deboche por meio da tela do notebook. Convicta de que eu devia terminar antes das nove horas, reiniciei o processo de leitura e produção de texto com a presteza de alguém que acaba de acordar. O que antes era somente um parágrafo a confrontar-me, meia hora depois transformara-se num texto bem disposto numa folha de papel A4. O primeiro passo eu havia concluído com êxito, bem como as demais atividades que elenquei fazer nesta manhã.
Almocei, me arrumei, organizei os papéis das disciplinas de hoje e fui à Universidade. Ao abrir a porta da sala de aula, dei de cara com três colegas debruçadas cada qual em um ofício diferente e o pior: a professora não estava lá. Avistei de relance uma frase em giz branco contrastante no quadro verde: "Hoje não terá aula da professora Fulana". Uma corrente elétrica perpassou o meu corpo inteiro a me chicotear. Nem para justificar! Lembrei-me da cama, do cobertor e, principalmente do travesseiro que me encararam pela manhã. Esse último, por causa da pontada de raiva que senti, adquirira um semblante de pena. Mesmo assim, me persuadi de que as atividades já estavam prontas e que outro dia seria poupado, tentando me convencer de que não foi tão ruim assim acordar cedo.
Correu a primeira "aula", veio o intervalo e a continuidade deu-se como de hábito. Entretanto, a professora do segundo horário nos soltara mais cedo a fim de conversar a sós com umas colegas a respeito de trabalhos/apresentações. Considerando que chegaria a casa uns vinte minutos antes, planejei ir à academia. Esse pensamento foi tão forte que consegui me ver diante do espelho executando as séries, como também me vi caminhando na esteira por quinze minutos, que é o tempo dedicado por mim e estabelecido pelo instrutor. Em casa, tomei café ao mesmo tempo em que elegia mentalmente a roupa adequada para realizar os exercícios de hoje. Alimentava assim o meu estômago vazio e a mania de ser perfeccionista em coisas banais.
Pronta, com os tênis, calça de ginástica, moletom quentinha com capuz para me proteger dos respingos pluviais sento-me perto da televisão e começo a pensar. Em quê eu não sei exatamente, porém o fluxo de ideias foi tão intenso ao ponto de eu concluir que hoje eu não queria fazer atividade física. Não era uma vontade pura, eu diria. Inseri nessa conclusão a problemática da mensalidade como contra-argumento, e foi em vão. Os planos foram com a chuva, assim como as horas voaram pela manhã. Infelizmente, assim como o sono e a preguiça foram esbofeteados e rapidamente atirados pela janela às seis horas. Antes eu não tivesse saído do aconchego, foi tudo uma perda de tempo. Maldito celular.

domingo, 23 de setembro de 2012

Despir-se

Não é ciúmes
Nem inveja.
Vá em frente:
Me negue
Me destrua.

Esse coração flagelado
Pelos amores não correspondidos,
Pelo caos que me desfragmenta a alma
E toca como um verdugo
Um torturador
As feridas da minha vida.

Só assim então
E desta maneira
Sei de uma forma antitética
O verdadeiro significado
Do que eu sinto:
Dor
e
Amor.

Por: Fábio Kobinski

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

The lost rose

Like a rose on the ocean.
It doesn't make sense
But I'm so weak here,
My petals are falling out.

Like a rose on the ocean
Heavily, I can survive.
Could you save me?
Can you see me now?

The oceans's caring is
So strong, so deep.
Anyway, so lonely and hopeful,
The rose is lost on the ocean.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Os dois dês

Nem sempre é o suficiente fazer o melhor de si, sobretudo quando o alvo não quer colaborar. Ainda assim, cada minúcia, cada explicação e curiosidade são anotados com brilho nos olhos, uma pontada de felicidade no coração. O texto só esperando por ser rabiscado do título ao ponto final, a fim de resgatar ou atribuir sentido às palavras. O lápis deslizando pelas linhas, servindo de guia aos olhos e raciocínio. Surge a interpretação. Com ela vem a análise criteriosa, o conferir da biografia do autor e outros estudos acerca da temática. Papéis em mãos e anotações finalizadas, é hora de instigar.
Postura reta, mãos trêmulas, coração quase saltando. É o último dia da regência e parece que não fiz nada, porém hoje estou com novidades e atrairei a atenção desses alunos. A começar pelo bom dia, não fui feliz. Tudo bem, é segunda-feira, vamos dar um desconto, afinal nem eu estou me suportando direito em pé. As palavras fluem naturalmente, a tensão diminui e a segurança toma conta do meu corpo. Fito todos com uma aspiração meio formal. Gestos, sinais, expressões faciais em sincronia. Ando de um lado para o outro, escrevo alguma coisa no quadro. A aula só estava começando e o clima ruim me abraçava lentamente.
Enquanto eu percorria a sala declamando poesias, vidas, natureza, a recepção me era imparcial. Não incomodava pelo barulho, incomodava pela ausência de participação. A cara do espanto estava no fundo da sala a rir de mim e da minha condição. Os papéis bagunçados sobre a mesa adquiriram um tom satírico. Eu parecia ser o espetáculo daquela palhaçada, sem humor, sem risos. Nada. Um vácuo imenso ocupava aquele espaço. Um desinteresse tão grande que me contagiou. Caí mentalmente, frustrei-me. As perguntas eram lançadas e eu só podia ouvir o som da minha própria voz. Para essa ação, não havia reação.
Depois das tentativas de participação sem retorno, percebi a fraqueza daquela aula. Senti-me fraca ou por não ser tão experiente para seguir adiante com as explanações e dissimular aquele marasmo ou por não ter nascido predestinada para ministrar aulas. Um desafio que ao enfrentá-lo, como num sopro, me enfraqueceu. O futuro idealizado no âmbito profissional ficou jogado no fundo daquela sala. Provavelmente eu não tenha dom para coisa alguma. Se eu fechar os olhos, apenas verei o meu embaraço, a minha queda diante daqueles alunos ocupados com a ociosidade. Estagnados na ignorância. Eu realmente fiz o melhor que pude e considerando o primeiro semestre, as aulas da outra turma foram satisfatórias ao ponto das atividades serem postadas num blog.
Pergunto-me se com esse contraste fica esclarecida a lacuna deixada na aula e se é justificável a falta de interação. Não, não é. Minha cabeça transportava muitas informações, eu as expliquei calmamente tentando mexer com a capacidade de percepção dos meus ouvintes. Eu fiz o melhor de mim, mas nem sempre o eco que se ouve é o almejado. No entanto, trata-se do meu sonho e eu não vou deixá-lo naquela sala imunda e muda, desprovida de senso crítico. Provavelmente eu não tenha dom para coisa alguma, nem mesmo para me sentir infeliz por míseros instantes. Se eu quero ser professora, se eu me empenhar para isso, eu serei. Eu fiz a minha parte, eu tenho a consciência tranquila. Se não o Dom, o Desafio.

domingo, 16 de setembro de 2012

Os três filtros (autor desconhecido)

Na antiga Grécia, Sócrates tornou-se famoso pela sua sabedoria e pelo grande respeito que manifestava por todos. Um dia, veio ao encontro do filósofo um homem, seu conhecido, que lhe disse:
- Sabes o que me disseram de um teu amigo?
- Espera um pouco – respondeu Sócrates. Antes de me disseres alguma coisa, queria que passasses por um pequeno exame. Chamo-lhe o exame do triplo filtro.
- Triplo filtro?
- Isso mesmo – continuou Sócrates. Antes de me falares sobre o meu amigo, pode ser um boa ideia filtrares três vezes o que me vais dizer. É por isso que lhe chamo o exame de triplo filtro:
O primeiro filtro é a verdade. Estás bem seguro de que aquilo que me vais dizer é verdade?
- Não – disse o homem – Realmente só ouvi falar sobre isso e …
- Bem! – disse Sócrates. Então, na realidade, não sabes se é verdadeiro ou falso.
Agora, deixa-me aplicar o segundo filtro, o filtro da bondade. O que me vais dizer sobre o meu amigo, é uma coisa boa?
- Não. Pelo contrário…
- Então, queres dizer-me uma coisa má e que não estás seguro que seja verdadeira. Mas posso ainda ouvir-te, porque falta um filtro, o da utilidade. Vai servir-me para alguma coisa saber aquilo que me vais dizer sobre o meu amigo?
- Não. De verdade, não…
- Bem – concluiu Sócrates. - Se o que me queres dizer pode nem sequer ser verdadeiro, nem bom e nem me é útil, para que é que o queria saber?


Disponível em: http://worlddy.wordpress.com/extras/os-tres-filtros/

domingo, 9 de setembro de 2012

Exilada/o de si mesma/o

Fujo de mim como um perfume antigo foge ondulante e vago de  um missal e julgo uma alma estranha andar comigo. -- Ronald de Carvalho

Sinapses

Um computador ligado, um espaço em branco no monitor, e um texto sendo feito, é tudo o que eu tenho nesta tarde nublada de Domingo. Uma cabeça repleta de pensamentos insanos, papéis e livros por todos os cantos do meu quarto, um texto sendo feito, é tudo que eu tenho nesta tarde nublada de Domingo. Enquanto eu analiso o que tenho de forma hierárquica, esqueço-me do que devo fazer com tudo isso. Para qual finalidade estou mencionando esses elementos que compõem o meu dia? Eu poderia muito bem falar do meu almoço, ou de futilidades como as minhas unhas que estão pedindo por retoque. Poderia até mesmo referir-me à desorganização em que o meu quarto se encontra.
Só que discorrer sobre esse tema e pensar nos modos de organização é perder de vista que uma mente cheia de ideias e um espaço em branco não se unem, não me ajudam e me perturbam. Não pretendo deixar em segundo plano os meus deveres, como dispor cada objeto em seu suposto lugar, mas a frustração em ter os dois opostos que poderiam se completar e não resultam em nada é mais inquietante. Um texto como esse só me serve por enquanto como refúgio, pois sinto transbordar-me em opiniões que não se materializam como palavras no espaço em branco ou, se se materializam, não funcionam como o esperado.
Antes de me preocupar em ajeitar o livro fora do lugar, preciso estabelecer uma disciplina mental. Uma conexão de fios valiosos e mal usados ou desligados. Minha energia é gasta ao dobro devido aos poucos esforços que me submeto durante os dias anteriores e, de uma hora para outra, tento fazer uso do acúmulo. É falta de hábito, é falta de vontade. Uma quantidade significativa de ânimo somada à uma de descuido: a equivalência que rejeita o equilíbrio e desenvolve o eclipse me deixando sem base e visão para nada.
Fazer cobranças e assegurar a estabilidade compete unicamente a mim. Dormir cedo, estudar mais ou em horários preestabelecidos, sonhar menos e me sentir segura ainda que à beira do precipício. Não necessariamente fixar uma receita, mas seguir alguns preceitos que regem o vitorioso. Ser autocrítica e ter um olhar seletivo sem, acima de tudo, me desfazer dessas expansividades. Afinal elas me possibilitam ver o que os pensamentos em caleidoscópio bloqueiam. Só depois do texto pronto, vejo o quão necessário é transcrever essa confusão, pois, de um jeito ou de outro, eu acabo organizando-a. Contudo, para minha angústia, esse método não se aplica ao quarto, o qual vai continuar na desordem até um recurso viável se imprimir.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Amanhã

Fiz e refiz várias linhas deste post com o único objetivo de discorrer sobre diversos assuntos que emergiram durante esses últimos oito dias. É quase que uma obrigação tornar este blog atualizado, pois sinto deixá-lo em sintonia comigo. Ele, invariavelmente, é uma parte de mim: um registro dos meus pensamentos, observações e devaneios. Leio-o em outra ocasião e, às vezes, tudo parece tão mudado, tão distante do exato momento em que reproduzo as sensações. Busco palavras que denotem, ao menos, uma pequena parcela do vivido, mas, no outro dia, elas já parecem perder sua eficiência.
Acontece que nem sempre conseguimos registrar as situações puramente tal como elas sucederam. Sinto-me impotente quando não dou conta de transmitir com clareza o que é extraordinário. Palavras somente tentam trazer aquilo que a memória julgou ser significativo. Ao escrever, perde-se mais da metade do que havia sido gravado e ainda que a escrita traga a ideia, não se resume a ela. Considerando que a linguagem também se renova. Sentidos são criados a todo instante, por isso, um texto, a partir da primeira leitura, já cai em desuso. Há releituras, evidentemente, só que com propósitos diferentes, específicos, reformulados. É como afirmar com convicção que "um beijo vale mais do que mil palavras" ou "mil palavras valem mais do que um beijo". Tudo depende da circunstância em que eles estão inseridos, e nada mais.
Usufruindo-me novamente do exemplo supracitado, é possível um casal sentir-se beijado pelo unir das mãos ou troca de olhares, fazendo o corpo ser derrotado por uma energia indomável. O leigo apenas cria frases, combina as palavras. O entendido ri com sarcasmo e tenta calcular de qual fonte inesgotável se tira tanto sentido figurado. De qualquer maneira, independentemente da criatividade, riquíssima ou paupérrima, não se considera como verdade absoluta aquilo que o consciente tentar transpor com as palavras, pois ele é manipulado pelo inconsciente. É por meio daquele que se resgatam fatos reprimidos e jogados no outro âmbito deste. Hipnotizado ou não, o sujeito se entregará.
Bastar-me-ia um sinal e seguir-se-ia a toda ação, uma reação. Não me contento com as palavras, ainda que elas ocupem a maior parte do tempo da minha vida social. Não me contento com atos, pois como sempre busco uma explicação, eles não me fariam sentido. Não me defino nesse post, nem nessa aglomeração de sentenças. Sou um resultado do ontem e do agora. Amanhã terei outra expressão, outra fusão de ideias, outra formação de (in)consciente. Contento-me em saber que sigo nesse processo movediço de reedificação. Não tenho base de nada, sou instável. Tenho as minhas preferências, minhas paixões, conservo alguma essência. Contudo, estou ciente de que a intensidade que atribuí a elas pode mudar. Ou não. Só o amanhã consegue evidenciar o que outrora estava implícito. Seja o amanhã um segundo, um mês ou uma vida inteira.