sábado, 30 de março de 2013

A nossa missão

Quatro dias indo à igreja rezar em ocasião da Páscoa. Minhas pupilas dilatavam-se em ver tantas velas acesas nas mãos de pessoas devotas. O padre inspirado pelas palavras sábias enchia nossos ouvidos com suas lições de vida, fazendo uma analogia ao sofrimento daquele que morreu na cruz. Isso não necessariamente significa que elas penetravam no coração de cada pessoa, mas a intenção era essa e se estou a comentar é porque faço parte das que se sentiram tocadas.
Certa vez, conversando com um conhecido que estudara Teologia, senti-me na liberdade de desabafar com ele. A nossa conversa iniciou-se por trabalhos acadêmicos, afinal hoje ele faz o mesmo curso que eu, Letras, até que invadiu assuntos de outros terrenos, como matemática, física e religião. Nesse ínterim, comentei acerca das minhas dificuldades pessoais e ele, atento às minhas palavras e conotações que eu atribuía a elas, sugeriu-me a leitura de um livro, "A cabana". Para estimular minha curiosidade, ele fez uma sinopse recheada de palavras persuasivas, com descrições, que a mim, embora não tenha lido, pareceram próximas às contidas na obra.
Com a imagem da capa do livro estampada na mente, fiz outras perguntas, até mesmo para conhecer melhor sobre a história. O fim pouco me importa nesse tipo de leitura que não tem como alvo a distração e, sim, a busca pelo conforto espiritual. Quanto mais eu perguntava, mais motivos ele me dava para ler. Foi nesse momento que um rapaz também se sentiu à vontade para se apresentar e dizer que gostaria de se desapegar de maus fluidos, como a descrença em Deus.
Esse rapaz alegara que, apesar de tentar fazer as coisas mais certas possíveis, além de acreditar cegamente na força divina, sua vida parece sempre lhe pregar peças. Uma delas foi o atestado médico em que afirmava que sua mãe possuía apenas mais três meses de vida, devido ao segundo Acidente Vascular Cerebral (AVC) que tivera. A família passou por tempos difíceis e ele quase entrou em depressão. Enquanto ele relatava tais fatos, nós dois observávamos que seus olhos encheram-se de lágrimas e suas mãos tremiam na medida em que ele aludia ao sofrimento da mãe.
Felizmente, os três meses se passaram e aquela, que estava aparentemente condenada à morte, recorrera a outros médicos que lhe prescreveram algumas medicações e que não compreendiam o laudo do primeiro a consultá-la. Contudo, o rapaz comentou que seu estado psicológico estava ficando em xeque e foi nessas idas e vindas que ele desapegou-se totalmente de Deus. Sua dúvida cresce na medida em que ele pensa no porquê de tanto sofrimento, de tanta maldade em sua vida; ele que diz ser uma boa pessoa.
Com um fim meio reticente, meu colega começou a lhe fazer perguntas a respeito da crucificação de Jesus. Dizia-lhe também que Ele não morrera apenas por amor a nós, em nome dos nossos pecados, como também, ao considerar que somos à Sua imagem e semelhança, todxs temos uma missão e, por ela, podemos passar por dificuldades; Ele foi humilhado, crucificado e morreu na cruz, mas ressuscitou. Portanto, serviu-nos de exemplo para acreditarmos que, embora tenhamos nossas dificuldades, conseguimos, se confiarmos Nele, levantar-nos.
O outro o ouvia sem piscar e antes que formulássemos alguma pergunta, a resposta já vinha incalculavelmente sob o aspecto de um simples bate-papo no pátio. A nossa missão estava sendo traçada naquele momento: a do primeiro era a de transmitir a sua visão religiosa aos que dela necessitavam; a do segundo rapaz era a de acreditar que a fraqueza é um dos degraus da vida plena, mas não o único; e a minha é a de acreditar que, se eu permitir, a Palavra entra no meu coração, seja na igreja ou numa dita conversa casual.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Igualdade?!

Tão fraca é a mulher como o homem; em regra geral todos os seres humanos são fracos; o que os distingue um do outro é que, na média, a mulher comete a falta com escrúpulos e remorsos, enquanto que o homem comete-a sem escrúpulos nem remorsos.

Claire Galichon.

sábado, 23 de março de 2013

Seu caminhar

Um frio na barriga e a conversa parecia fluir naturalmente. A preparação fora feita há cinco dias, mas nada do que eu dizia constava no cronograma. Sentia-me feliz por saber que a garota estava se distanciando. Questionei-me a respeito dessa insegurança, tão inútil quanto eu ter que me afastar. Restavam-me duas opções: ser extremamente franca ou fingir; esta não era a melhor saída e aquela faria alguém notar. A cena rodava, o filme se repetia e a emoção intensificava. Aguardo o seu adeus inaudito e desejo que você vá embora de uma vez. 
Malvada: com todas as forças visíveis e invisíveis, audição mais apurada e olhos atentos no seu lento caminhar, quase admirável. Eu me negaria a elogiá-lo, mesmo sabendo que era hipnotizante. No mínimo, uma exceção. Imperceptivelmente geniosa, nunca admitiria fazer parte do grupo que o acompanhava com delicadeza, ainda que ela fosse uma garotinha, ou ansiava por ser. Um caminhar esquisito, em minha opinião: infantil, medíocre, descompassado, sem orientação.
Contudo, era nesse caminhar que o meu ciúme se concentraria a breves meses. Sentia-me corroer quando ouvia aqueles passos. Odiava perceber que eles chamavam a atenção, que alimentavam o seu ego e os enchiam de qualidades, sendo ao mesmo tempo tão comuns. Ela nem se dava conta do charme que seus pés levavam e seguia distraída enquanto que a minha obsessão nutria-se por observá-los. Gastava o meu tempo em estudá-los para obter alguma justificativa para tamanho apreço. Em vão.
Depois de fazê-la rir ingenuamente com algumas frases mal construídas e carregadas de intenção, resolvi desistir e deixá-la em paz. Embora seus passos encontrassem os meus constantemente pelos corredores vazios, eu realmente havia me desapegado daquela garota. Quebrei o mal que pouco a pouco crescia com o meu veneno. Pude enxergar-me no espelho pelo espaço que antes era ocupado pelas minhas doses de despeito, as quais não eram bem minhas e eu insistia em tornar-me proprietária. Assim, desatenta aos seus caprichos impensados, desatei-me dos nós que a ela me via presa.
Hoje, depois de tanto tempo sem vê-la, soube de sua viagem para fora da cidade. O informante teve o despropósito de ressuscitar velhos pensamentos, mas a notícia fora capaz de mudar o meu humor, ainda que a expressão facial exibira-se desapontada. Voltei a casa com um leve sorriso. Culpei-me por estar assim e sorri novamente. Custou-me confessar que, apesar de agora me ser indiferente, aquela garota me dava náuseas e o som do seu caminhar agitava os meus nervos.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Coerência

Subi a porta e fechei a escada.
Tirei minhas orações e recitei meus sapatos.
Desliguei a cama e deitei-me na luz.

Tudo porque
Ele me deu um beijo de boa noite...

(autor anônimo)

domingo, 17 de março de 2013

A interrogação

Esses dias um amigo e eu estávamos conversando em inglês no terminal para tentar desenvolver nossa habilidade oral, visto que há uma série de acontecimentos que nos impulsiona a esse feito. Independentemente da ordem a que pertencem nossos motivos, estávamos concentrados e entusiasmados pela ideia de nos comunicarmos. Além disso, da vantagem de pensar em língua estrangeira e ter um aprimoramento linguístico, a espera pela chegada do ônibus seria menos árdua e cansativa.
Era um dia pós-aula qualquer. Na verdade, não tão qualquer assim, pois no dia seguinte eu teria que ir ao colégio onde eu ministraria aulas de redação e, por isso, havia uma terceira finalidade naquela conversa: abstrair a minha ansiedade. Ainda que meu amigo soubesse a respeito da minha inquietude, ele pareceu não ter notado e o assunto continuava até que alguém gaguejasse. Desse modo, mudávamos de tópico e explorávamos outras palavras estrangeiras.
Nesse meio tempo, com um papel repleto de nomes e números de celulares, uma menina caminhava na nossa direção e pedia autorização para nos entrevistar. Respondi afirmativamente por primeiro atendendo seu olhar enquanto o meu amigo relutava em aceitar ou proferir alguma palavra compreensível na língua materna, afinal seu cérebro estava sendo manipulado para interagir em inglês durante quinze minutos ininterruptos.
As questões eram relativamente básicas: nome, sobrenome, profissão, data de nascimento e número do celular. Se eu disse a verdade ou não só meu amigo e eu sabemos, mas respondi a todas em bom tom. No final da "entrevista", a moça alegara que dizia respeito a um curso técnico e a área específica seria escolhida por mim, caso eu fosse sorteada. Assim que finalizada a bateria de perguntas, ela se voltou para o meu acompanhante e repetiu a cena. Antes de concluir o questionário, outra garota que estava nos observando de soslaio apurou-se em fazer a apresentação e seguiu o mesmo roteiro de sua antecessora.
Contudo, ao término, ela inovou com duas perguntas: "Você faria que tipo de curso entre 'moda', 'corte de cabelo' e 'maquiagem'?" - e como a opção foi maquiagem - ela continuou: Você faria esse curso no valor de R$**,**? - respondi que sim. Quando ela marcou um x no espaço que correspondia à última pergunta, eu percebi que não me passara antes a hipótese de um dia maquiar alguém e ganhar dinheiro com isso. Meus devaneios sumiram no momento em que ela passou reto pelo meu amigo, e interpretei como uma situação que envolvia as questões de gênero.
Ao ver que a menina recusara interrogá-lo a respeito de cursos construídos socialmente para as mulheres, meu amigo me olhou espantado. Perguntamos um ao outro acerca do porquê da menina desmerecer um homem para essas funções ditas feminis. Será que apenas por ele ser homem o faz incapaz de ser bem sucedido na área? Ou ela se esqueceu de homens maquiadores, cabelereiros e estilistas que estão na mídia e que fazem dinheiro tanto quanto as mulheres?
É possível que, por sermos constantemente "educados" a pensar que essas atividades exigem sensibilidade, que está diretamente relacionada à mulher, a garota, fruto dessa "educação", evitou causar algum conflito. No entanto, ao mesmo tempo em que ela agiu conforme o que geralmente se espera da sociedade, ela desencadeou várias perguntas em nós dois. A nossa postura se refere à avaliação do fenótipo de meu amigo, ou seja, o fato de eu ser mulher não me faz uma boa maquiadora - e particularmente me acho péssima em tais funções - e o fato dele ser reconhecido como homem em sua aparência não o faz um mau maquiador, por exemplo. Provavelmente não percebemos a quais valores nos submetem a todo tempo e, deixando esse tipo de conduta passar despercebido, nos tornamos cúmplices de um pensamento reducionista quase sem querer.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Grafite

Lapiseira, te joguei fora.
Para meu uso, não mais!
A lapiseira foi embora e
Nem sabe a falta que não faz.

Sua letra, imperfeição.
Minha letra, defectiva.
Só me era distração e
Insistente tentativa.

Na página grafada
Em pedidos de perdão,
Foram os riscos transformados.

No ar, folha rasgada,
Cacos de papel. No chão,
O mundo dos desejos sufocados.

domingo, 10 de março de 2013

Ninguém me perguntou por que é que essas feministas chatas não gostam de ganhar parabéns no dia da mulher

“Parabéns pelo seu dia, continuem sempre assim, nós amamos vocês, mulheres”. Aí te dão uma rosinha murcha. Ou um bombom. Ou te oferecem um tratamento facial, um curso de maquiagem, uma massagem. E não entendem porque você não está imensamente agradecida por terem lembrado de você nessa data tão especial.
Eu gostaria de não ter que lembrá-los disso, mas o dia da mulher não é uma data pra glorificar essa imagem estereotípica de feminilidade que vocês têm. É uma data de luta.
É uma data pra se lembrar das trabalhadoras têxteis que se uniram e deram início a uma revolução. Para se lembrar de todas as outras mulheres que lutaram, foram presas, apanharam, morreram, para que tivéssemos direitos básicos que ninguém pensaria em passar sem, como voto, propriedade, educação.
É uma data para se lembrar de todas as mulheres que ainda seguem privadas de direitos, tendo suas vidas controladas por homens, apanhando, sofrendo abusos. Para lembrar que essa realidade não é distante, não é só uma moça sendo violentada e morta por um bando de escrotos na Índia, mas está aqui no nosso quintal.
É uma data para se lembrar que mesmo nós, mulheres bem nutridas de classe média, ainda fazemos a maior parte do trabalho doméstico, ganhamos menos que os homens, e se formos negras, só piora.
 
Guarde as rosas para os doentes e os mortos.

Nós continuaremos lutando.
 
Disponível em: http://alguemperguntou.tumblr.com/post/44854012564/ninguem-me-perguntou-por-que-e-que-essas-feministas

sexta-feira, 8 de março de 2013

O texto como autoafirmação

Para quem me disse que eu não sabia escrever ou que minhas ideias não se esclareciam no texto, o meu "muito obrigada". Com essas críticas, as quais eu interpretei como construtivas, veio-me a resolução de gerar um blog. Em princípio, ele abraçaria as minhas palavras de um modo quase acrítico, pois minha primeira justificativa de criá-lo resultava da falta de comunicação ou inibição acerca de assuntos que nele eu teria total liberdade em desenvolver. No decorrer do tempo percebi que os temas não eram motivo para serem extremamente ocultados e passei o endereço do blog a algumas pessoas.
O grupo foi crescendo e os critérios diminuindo, pois havia um sentimento em mim de querer ser lida e, independente da reação dos leitores, eu continuava a escrever. Os comentários surgiam pouco a pouco e o meu autoconhecimento estava nas mãos de quem se "catartizava", o pacto de autor e leitor. As críticas iam de como eu estruturava o texto, da escolha do léxico: "uma linguagem detalhista, meio formal e calculista"; até à maneira como eu relatava as experiências, o efeito de "uma emoção simplista nascida da banalidade e sentida por vários segundos".
Além disso, pude notar que a proximidade do leitor com o autor é signiticativa para ambos. Enquanto um lê e absorve as diversas ferramentas expressivas, tal como o enredo e disposição das palavras, e se sente livre para comentar anonimamente, o outro recebe essa energia, ainda que distante, e se dá conta que a sua rotina pode se assemelhar a do leitor, embora este a viva com outra perspectiva. Essa troca de pontos de vista completa um ao outro, enriquece; damo-nos conta de que o amadurecimento social e individual estão interligados e que crescemos juntos com nossas experiências. Enfim, utilizando-me das palavras de um leitor: "estas coisas não são raras de acontecer", fazem parte da nossa evolução como pessoas por meio dos inúmeros textos produzidos em cada instituição social que nos inserimos.
Graças a essa iniciativa de expor em rede as perturbações e alegrias, minha vida profissional pode ter um salto, pois o blog chegou a um leitor que me proporia a ministrar aulas de redação. Embora eu acredite na minha infinita busca do saber, eu aceitei o convite como reconhecimento do meu esforço. Esse blog não mais é um diário pessoal eletrônico, nem mesmo um espaçozinho de críticas inúteis ou desabafos de uma jovem frustrada. Ele se tornou um pedaço de mim, onde eu sou quem eu quero ser. Por isso, eu afirmo com convicção que sua primeira finalidade foi superada e ultrapassada e que meus alunxs terão o estímulo que eu mesma me impus: de escrever para nascer, afinal eu existo aqui porque eu me reproduzo pela linguagem escrita.