sexta-feira, 31 de maio de 2013

Impulso do pulso firme

Essa noite sonhei com a Paula Fernandes me perguntando quais outros cantores eu gostava além dela. Fiquei confusa com a pergunta, e ainda mais com a provável resposta, porque além da cantora estar se equivocando, eu não sabia o que responder. Afirmar com convicção que minha banda preferida é AC/DC para ela seria uma direta que aludiria ao abismo de preferência musical. Consequentemente eu ofenderia a cantora. Acordei antes de responder.
Pensando nesse sonho, refleti a respeito dos meus impulsos, sejam eles de quaisquer naturezas. Sou movida pela impulsividade e acabo atingindo alguém. Minha personalidade é constituída por essa característica há muito tempo, mas agora me pergunto até quando eu a sustentarei, sendo que ela afasta as pessoas de mim: tantas sem querer. Em contraste, tantas outras pessoas se aproximaram pelos mesmos impulsos.
É uma faca de dois gumes e eu não sei a que ponto essa situação emocional pode alcançar, pois ela me consome. Ora fico extremamente feliz e grata comigo mesma, ora me olho no espelho e me cubro de xingamentos. É como se eu gostasse de andar na chuva, e me sentisse obrigada a me proteger porque meu sistema imunológico é frágil. Não faz sentido agir por impulso, mas esse texto é o resultado dessa negação.
Afinal, parar a leitura de um artigo porque um sonho me veio de súbito não é, decididamente, algo planejado. Fico na esperança dessa impulsividade me ser mais benéfica do que destrutiva. Eu tenho a necessidade de agir conforme meus sentimentos me incitam a ser, embora eu precise refletir nessas ações. A reflexão é tão óbvia que parece idiotice expô-la num espaço público. 
Percebo assim que o estágio está tão avançado que acabo me sujeitando a esse nível de imbecilidade. Talvez seja exagero meu a considerar imbecilidade: tem tanta gente que não faz a mínima para o que faz ou deixa de fazer e nem nota que é por causa de si mesmo. Ao menos eu estou culpando a única pessoa que eu posso mudar por inteiro. Considerando que eu seja um resultado das influências dos outros, somente eu sou a responsável por desenvolvê-las. Se não fosse assim, minha resposta no sonho certamente seria "outros cantores sertanejos dessa geração 2000".

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Sob o meu olhar

Pergunto-me se é a saudade que me consome ou se é a negação dela. O fato é que eu a sinto. Se foram momentos ruins, se foram momentos bons, eu não me fatigo em rememorá-los. Enfraqueço-me a cada imagem jogada na minha frente por saber ser impossível apagá-las sem sofrimento. Eu gosto de sofrer, isso me dá a ideia de que se sofro é porque vivo. Essa experiência é quem vai me proporcionar o amadurecimento: não se cresce sem pisar nos espinhos.
Meus pés ainda sangram, e embora eu tenha mudado o caminho, não vejo beleza alguma. Meus olhos ainda se fecham quando a lembrança vem, meu peito sufoca e meu coração ainda não sabe o que é cicatriz, pois ele nunca deixou de estar ferido. Essa nova paisagem não alterou as minhas sensações, pois tento trazer aquilo que me desgasta e me reafirma enquanto sujeito. É inútil sair de um lugar e ir para outro quando se leva todas as memórias consigo.
Eu tento esquecer os detalhes, e quanto mais me esforço, mais os reforço. Eles estão na palma da minha mão, sob os meus pés, dentro dos meus olhos, cobrem o meu corpo inteiro. Tudo o que eu olhar vai estar sob o processo contínuo de salvação e comparação. Afinal, quanto mais eu recusá-los, mais eu me afastarei de quem eu sou de verdade. A paisagem só vai ser realmente contemplada no momento em que eu superar a mim mesma. Perceberei então que para crescer não é preciso pisar para sempre nos espinhos, mas identificá-los antes deles me ferirem. Reconhecerei que o amadurecimento também consiste em deixar uma parte de si para trás, considerando que ela própria possa ser o espinho.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Whoever You Are Holding Me Now in Hand

Whoever you are holding me now in hand,
Without one thing all will be useless,
I give you fair warning before you attempt me further,
I am not what you supposed, but far different.

Who is he that would become my follower?
Who would sign himself a candidate for my affections?

The way is suspicious, the result uncertain, perhaps destructive,
You would have to give up all else, I alone would expect to be your
sole and exclusive standard,
Your novitiate would even then be long and exhausting,
The whole past theory of your life and all conformity to the lives
around you would have to be abandon'd,
Therefore release me now before troubling yourself any further, let
go your hand from my shoulders,
Put me down and depart on your way.

Or else by stealth in some wood for trial,
Or back of a rock in the open air,
(For in any roof'd room of a house I emerge not, nor in company,
And in libraries I lie as one dumb, a gawk, or unborn, or dead,)
But just possibly with you on a high hill, first watching lest any
person for miles around approach unawares,
Or possibly with you sailing at sea, or on the beach of the sea or
some quiet island,
Here to put your lips upon mine I permit you,
With the comrade's long-dwelling kiss or the new husband's kiss,
For I am the new husband and I am the comrade.

Or if you will, thrusting me beneath your clothing,
Where I may feel the throbs of your heart or rest upon your hip,
Carry me when you go forth over land or sea;
For thus merely touching you is enough, is best,
And thus touching you would I silently sleep and be carried eternally.

But these leaves conning you con at peril,
For these leaves and me you will not understand,
They will elude you at first and still more afterward, I will
certainly elude you.
Even while you should think you had unquestionably caught me, behold!
Already you see I have escaped from you.

For it is not for what I have put into it that I have written this book,
Nor is it by reading it you will acquire it,
Nor do those know me best who admire me and vauntingly praise me,
Nor will the candidates for my love (unless at most a very few)
prove victorious,
Nor will my poems do good only, they will do just as much evil,
perhaps more,
For all is useless without that which you may guess at many times
and not hit, that which I hinted at;
Therefore release me and depart on your way.

by Walt Whitman (1819-1892)

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Perspectiva

A vida é feita de dias em que tudo dá certo, de dias que tudo é mais ou menos e de dias que tudo dá errado. Ainda que se acredite nisso, a vida não é feita apenas de uma categoria desses dias, mas, sim, de fases; e estar passando por uma má fase não significa vivê-la por todo o sempre. Afinal, se nem nós somos seres imortais, o que é um conjunto de sentimentos predeterminado por cargas positiva e negativa em relação às nossas experiências tão fugazes?
O ser humano e sua estada são transitórios e por isso acho inútil sustentar a ideia de que vamos morrer, sendo que é a nossa única certeza. Particularmente, o óbvio não me atrai e morrer é uma coisa óbvia. Acho perda de tempo ficar jogando palavras contra si e contra os outros como uma maldição. Evidentemente que certos tipos de mortes assustam mais que outros, mas isso também é passageiro. Só que ninguém nota que a vida é mais assustadora do que a morte, esta que é um milésimo de segundo perto da vida. Basta considerar o sofrimento e dor de alguém que está sem esperanças para entender o tipo de eternidade que a vida pode oferecer e sua discrepância temporal em relação à morte.
O tempo somos nós que o fazemos. Ele está correndo conosco e não nos damos conta de sua preciosidade e do seu poder em trazer e levar pessoas, queridas ou não. Não me refiro ao verbo levar no sentido de desfragmentar o arquivo e jogar na lixeira sem a opção de ser restaurado, refiro-me a recortá-lo e transferi-lo para outro disco rígido, isto é, levar para a distância e para a saudade. Essa hipotética falta de reconhecimento do valor de um tempo faz com que ajamos impensadamente e distribuamos farpas verbais. Fazemos com que o tempo se ocupe em levar qualquer coisa com o nosso consentimento e contra a nossa vontade concomitantemente.
Nessa hora, percebemos que morrer não é um fenômeno físico e que deixamos de viver quando escolhemos fugir da realidade, da vida. Seja a vida feita de dias bons ou ruins, ela é a etapa pela qual fomos submetidos a atravessar: há quem não suporte seu peso e adiante o relógio; há quem está fazendo hora extra sem ainda ter encontrado um motivo para tal. A cada dia que passa é uma surpresa, isto porque a vida é incerta e não obteremos respostas satisfatórias. O reconhecimento de que somos apenas um momento dentro de tantos outros se faz preciso na medida em que afirmar a ocasião da morte é só repetir o que já sabemos e, por vezes, recusamos em recordar. Provavelmente queremos evitar nossa única certeza para afugentar a ideia do sofrimento, ou seja, da eternidade em vida.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Efêmero

Para quem não está habituado a tais situações, até que tudo bem passar a noite dormindo no sofá e ter uma carga horária de sono pelo período de quatro horas. Eu até considero enfrentar esses sacrifícios em nome da fase universitária que eu mesma escolhi para mim. Ruim é lembrar que dormir mal só fica pior se o inverno mostrar as caras. No meu caso, ele não só se apresentou como também me fez despertar tremendo às sete horas da manhã.
Tudo bem ver dois animaizinhos se atacando na minha frente e sentir vontade de apartá-los. Tudo bem ouvir logo depois o sermão da mãe porque eu poderia ter sido mordida por um deles. Eu até consigo recordar-me de suas palavras com tamanha clareza que me transporto para o exato momento em que foram proferidas. O bom é ter saído ilesa da briga e não vejo mal algum separar dois seres indefesos, movidos pelo instinto, embora eu estivesse me arriscando. Um susto e nada mais.
Tudo bem estar praticamente hibernando na sala de aula enquanto o conteúdo é explicado em dois idiomas. Tudo bem saber que a nota da prova não foi boa o bastante ao ponto de me tranquilizar. Eu até aceito aqueles números como sinal da minha falta de dedicação, só assim reconheço que uma parte do meu curso começa a se distanciar de mim. Embora eu quisesse ter mais facilidade para desenvolvê-la, essa constatação me possibilita ter mais domínio sobre a parte que eu já pesquiso. Nem por isso acho decepcionante, pois decepcionante é uma palavra que depende do ponto de vista e confesso que o meu está se esforçando para rejeitá-la.
Contudo, a perseverança entra em declínio quando o melhor fone de ouvido se despedaça no mesmo dia em que aquele pen-drive da pasta com músicas selecionadas some. Estou convencida de que não fica nada bem quando o que é banal se une ao que aconteceu ao longo do dia. O causador desse efeito é a acumulação do quase nada que se formou num todo significativo. Está tudo bem, só é o dia, e o dia é efêmero.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Trinta minutos

Ao me aproximar do ponto de ônibus, cumprimentei uma senhora de feições simpáticas. Perguntei a ela se havia muito tempo que estava esperando e atenta respondeu-me que não. Comentamos a respeito do atraso que a viação está tendo neste ano; é absurdo o descaso com os/as passageiros/as, afinal muitos/as a tem como única opção de meio de transporte para o trabalho, estudo. Chegar atrasado/a está virando hábito, um hábito imposto, e não adianta chegar mais cedo, a demora consiste num tempo além de trinta minutos. Os horários estão todos desconfigurados, embora constem no site oficial da empresa.
Essas ideias foram compartilhadas com a minha interlocutora. Imersa nas críticas, ela perguntara se eu trabalhava ou estudava, e respondi que as duas coisas, mas que naquele momento estava indo estudar. Adicionei às informações o local de trabalho e estudo, as quais pareceram quebrar a zona de reflexão da senhora, que se recordou de sua neta. Informou-me que a menina que possui quinze anos também estuda, porém só por causa do incentivo do pai, porque seu passatempo preferido é estar em frente ao computador e celular. Com um sentimento expresso nos olhos, a avó disse-me que "nem o quarto ela arruma. Toda mocinha deve ser organizada!".
Sem que a senhora notasse, fechei as mãos e as apertei para conter meus impulsos verbais. Eu não queria ser mal educada, mas limitar a organização como função do sexo feminino é algo que me instiga. A depender do nível da afirmativa, da problemática e do preconceito, acabo com o rosto vermelho e disparo nas palavras. Neste caso, eu precisava fazer com que aquela senhora repensasse a última frase. Fazê-la refletir de quanta ideologia estava carregando.
É impressionante como no discurso a alusão à organização se dá primeiro ao gênero feminino. Não é tão impressionante assim se nos situarmos no tempo e espaço. Vivemos um momento em que a mulher ainda é o sub, embora tenha alcançado o direito ao voto, a estudar, trabalhar e a ter voz. Por esses motivos, refiz a frase para desconstruir o sexismo que dela emergia a cada vez que era proferida. Alertei a senhora de que o homem também precisa ter um quarto organizado. Todos e todas precisamos ser organizados. Embora não atingimos essa proeza cem por cento do tempo, temos em mente que é uma postura de extrema necessidade.
Enquanto o ônibus não aparecia, nós duas passamos também pelo assunto de dona de casa. Ela disse que sua neta não gostava de ajudar e que afirmava "um dia eu vou ter uma empregada". Limitar-me-ei em discorrer apenas pela atividade doméstica; se bem que eu poderia comentar acerca do artigo final da profissão... Eu falei àquela senhora que a sua neta precisava, sim, aprender a fazer as atividades, pois se um dia, e pensemos em consonância com a menina, ela ter uma empregada, o serviço necessitará da supervisão de quem paga. Se quem paga não sabe pelo que está pagando, está sendo enganado. Infeliz sociedade capitalista, exploradora. O incentivo para a menina aprender a fazer a atividade doméstica voltava-se para entender como é que um dia ela iria requisitar os serviços.
Contudo, esclareci que se a neta resolvesse ser dona de casa, que isso partisse dela, mesmo sabendo que se tem o direito de fazer outras atividades. A questão é que a dona de casa sofre com a sobrecarga, além da falta de remuneração. Quem está sob essas condições nutre boa parte dos/as trabalhadores/as, até elas mesmas, pois muitas são concomitantemente trabalhadoras e donas de casa. Disse ainda que as atividades domésticas, se envolvidas no contexto do casamento, precisam ser divididas, pois envolvem o lavar a louça, passar a roupa, cuidar dos filhos/as etc. Nada mais justo do que casal se inserir no acordo de divisão das tarefas. Por isso, falei àquela avó atenta, não podemos excluir os homens dessas atividades: não eduquemos apenas as meninas a serem donas de casa, mas eduquemos meninas e meninos a realizar as atividades domésticas. Ambos estarão cientes de que o desempenho delas é possivelmente colaborativo. Só finalizei a conversa, porque o ônibus chegara, mas tenho a certeza que fiz aquela senhora reconsiderar algumas atitudes, até mesmo porque eu acabei vendo alguma vantagem na demora do ônibus.