sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Exist-ir

É estranho, mas ultimamente sinto que desencadeei uma série de sentimentos em mim. Notei que estou absurdamente mais chorona, ciumenta, reflexiva, rude, triste, melancólica, temperamental e por aí vai. Pode ser devido ao tempo seco, ao céu nublado, ao quarto frio. Pode ser o fim de mês. Será eu uma pessoa determinista? Pode até ser a falta de algo que nunca tive. Sei lá, estou meio perdida em mim mesma, às vezes quase não me reconheço. O espelho reflete a mesma imagem de antes, mas aquela expressão pesada que eu vejo certamente está além do que se considera um mero reflexo. 
Esse novo comportamento afeta até mesmo os lugares em que me tento acomodar. Eles devem ser silenciosos, com pouco ou nenhum sinal de vida e quentes. Hoje à tarde eu encontrei uma sala vazia na universidade, sentei-me à mesa, abri meu notebook e comecei a ler. Percebi que os sons do lado de fora estavam aguçados não porque eles eram realmente intensos, mas porque eu estava num absoluto vácuo. Eu podia ouvir as batidas de meu coração.
Não é exílio, nem depressão, nem tristeza, é só a influência de "Bartleby - o escriturário" e de "Os amigos dos amigos", textos existencialista e realista, respectivamente. "Eu prefiro não fazer" em contraposição ao "sou culpada pelo que fiz, fui uma tola". Decididamente, eu mergulho nas minhas próprias criações imaginárias, as quais são atravessadas por essas obras literárias. Quando estou me afogando, ao ponto de não me ser possível ser resgatada de mim mesma, eis que me aparece "A paixão segundo G.H." e caio no que costumamos chamar de realidade.
Tão impotente quanto a protagonista, estou eu aqui tentando expor em códigos o que não se é compreensível. Embora eu esteja, sim, vivendo a contradição do que é ser humana e carrego no meu olhar as convenções morais, éticas e culturais. As situações conspiram para isso, desde leituras, discussões, pessoas, conversas, até o clima e a ausência do calor. Eu me preocupo em vão, porque até esse sentimento que me corrói está fadado ao nada. Adquiri uma visão niilista da vida, ao passo que não consigo me exaurir da carga que é o existir. O que é viver senão assumir um papel, decorar as falas, atuar e abandonar o palco sem vontade própria? Bastar-me-ia ser alguém da plateia.

domingo, 25 de agosto de 2013

Narcisismo

Sempre dissera que não amaria ninguém, exceto a si mesma. Incrédula, sua mãe lhe advertia em ser necessário doar-se a outro, pois o ser humano é provido de emoção, mas a moça não lhe dava ouvidos. As sobrancelhas arqueadas, os olhos em meditação e a boca avermelhada naquela pele macia faziam enlouquecer. Tanto que enlouquecera a ela própria por nutrir o ego.
Voltando da universidade, em um dia qualquer, embarcara no ônibus, como sempre fizera. Ao entrar, os olhos da moça foram atraídos na direção do novo cobrador. Um rapaz de cabelo castanho e olhos argutos. Olhos que não a fitaram como esperado. Os passageiros se sentiam incomodados sempre que a avistavam e aquele rapaz nem havia se movido.
Ferida por dentro, não descansaria até descobrir os horários do ônibus em que o tal cobrador estava. Seu sangue pulsava mais forte nas mãos, pelo frio e pela raiva. Sua maior denúncia era a expressão, afinal nunca lhe haviam desdenhado desse modo. Arrancou informações de antigos pretendentes com discrição. Nome, sobrenome, data de nascimento e endereço bastaram para saciá-la e partir para a conquista.
Inúmeras vezes os dois se encontravam, dentro e fora do ônibus. Na presença um do outro, via-se que o cobrador achava-a bonita, pois nascia nele um leve sorriso, enquanto que ela tremia descontroladamente. O queixo e as pernas estavam sob o efeito do ato involuntário e como dominá-los se, àquela altura, já haviam sucumbido aos seus próprios estímulos? O medo de uma conversa não planejada amedrontava-a, mas eram só fantasias; o rapaz não vinha em sua direção.
Motivada pela angústia e impaciência, inquiriu a um amigo em comum do cobrador que o informasse do seu interesse e que pedia pelo número do celular. O encontro fora marcado. Sem demora, ele se aproximou. Após um longo tempo de conversa ela percebera que sequer havia sido estampado o sorriso torto que tanto ela o vira lançar no ônibus.
Chegou a casa e se isolou no quarto, estava decepcionada e triunfante. Ela estava apaixonada! A lembrança do toque dos lábios perturbava-a: falava sozinha, murmurava frases ininteligíveis. Um "eu te amo" talvez. Preocupada, sua mãe inquietara-se no cômodo ao lado, sabia que aquele quarto seria o primeiro confidente, mas as paredes insistiam em deixar escapar alguns assovios e risinhos. De súbito, jogando-se aos braços da curiosidade, abrir-se-ia a porta onde estava sua filha. Desistiu logo de dar aviso de sua presença, pois lá estava a moça, tão linda, a contemplar-se no espelho. Nada havia mudado.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Externo

Ao pensar que estamos em uma época fria, com muito vento e sujeita à neve, eu me lembrei do verão e da sensação térmica que ele carrega. É mais agradável dormir em uma noite fresca, com roupas leves do que virar um bolo de cobertores, pois o amanhecer parece ser natural, sem peso ou culpa em deixar o travesseiro sozinho. O calor da cidade de Ponta Grossa está totalmente dentro dos padrões que meu sistema imunológico se adapta.
Por outro lado, a estação avessa faz com que eu tenha fortes dores de ouvido, pele ressecada, preguiça, sono e pés gelados. Estes últimos só reafirmam as minhas reclamações acerca do clima quando se mostram desconfortáveis por se assemelharem às pedras de gelo, com a exceção de permanecerem congelados. Ainda não tive a infelicidade de chegar à situação de resfriado ou gripe neste ano, mesmo assim, não gosto do frio e nem do falso atributo de elegância que ele traz.
Depois de refletir sobre o impacto que as estações têm em mim e no meu humor, lembrei-me dos insetos que invadem a casa na época mais quente. As asas que se despregam de seus corpos ficam caídas por toda parte e dificultam a limpeza rápida da casa. Embora seja um ponto positivo no inverno, não consegui me esquecer daqueles pequenos besouros coloridos; das formigas carregando um pedaço de folha; e até mesmo desses insetos voadores que deixam um sinal de sua presença. Eles desaparecem no inverno e acentuam a paisagem cinzenta. A alegria consiste em seu retorno, quando eles ressuscitam e conseguem despertar em mim o sentimento de liberdade enquanto voam. É como se o sufocamento do inverno passasse no instante em que vejo algum deles parado na cortina do meu quarto; ou vários deles.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Deserto

Hoje o meu raciocínio se mostrou compulsivo por pensar e cheguei à conclusão de que não adianta eu fazer tudo aquilo que me convém, pois se tenho a predisposição para ser grossa com as pessoas, nada vai me impedir. O meu jeito faz com que as pessoas se afastem de mim e em um ato quase involuntário, eu crio um muro maciço. Para ajudar, atraio pessoas sensíveis emocionalmente. Elas se consideram frágeis, temperamentais ou dignas do meu apreço e tentam me persuadir com uma expressão de desamparo. 
Pobres criaturas! Mal sabem elas que esses atos não me atingem e, por ora, conseguem ter efeito contrário. Quando eu as imagino fracas, sinto-me forte e no direito de elas verem o que é ser fraco de verdade. Fraca sou eu que busco encontrar sentido nessas peças teatrais do cotidiano. Fraca sou eu que também me utilizo dessas ceninhas baratas, porque um dia acreditei no amor e, mesmo desenganada, ainda quero encontrá-lo.
O amor ao qual me refiro não é o amor desinteressado e sem limites, este eu tenho pelos meus pais e sei que eles têm por mim também. O amor ao qual eu me refiro não vai além do qual eu já possuo, embora traga alguma satisfação: seja para o ego ou para o lado emocional. Talvez o problema, se é que se pode chamar de problema, esteja em mim. Em pouco tempo de conversa, eu consigo traçar os principais defeitos da pessoa, seus gestos ridículos e sua máscara.
Ando criteriosa demais para me relacionar com alguém. Por ser comunicativa, tagarela, falante etc., tenho carência de atenção; por ser curiosa acerca da filosofia e literatura fantástica, eu gosto que compartilhem das minhas imaginações insanas; e que me respeitem quando eu optar pela seriedade. Por isso, minha grosseria parece soar na manifestação do silêncio; basta eu me calar e o mundo ao meu redor se torna um deserto. Encontro-me no lugar adequado se carrego comigo a maneira árida de agir.