quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Estátua de Glauco

Por mais interesse que tenhamos em conhecer a nós mesmos, não sei se não conhecemos melhor tudo aquilo que não somos nós. Providos pela natureza de órgãos destinados à nossa conservação, só os empregamos para receber as impressões estranhas, só buscamos nos voltar para fora e existir fora de nós; muito ocupados em multiplicar as funções de nossos sentidos e em aumentar a extensão exterior de nosso ser, raramente fazemos uso daquele sentido interior que nos reduz a nossas verdadeiras dimensões e nos separa de tudo o que não nos pertence. No entanto, é esse sentido que devemos utilizar se quisermos nos conhecer, é o único pelo qual podemos nos julgar. Mas como dar a esse sentido sua atividade e toda a sua extensão? Como separar nossa alma, na qual ele reside, de todas as ilusões do nosso espírito? Perdemos o hábito de empregá-la, ela ficou sem exercício no meio do tumulto de nossas sensações corporais, ficou ressequida ao fogo de nossas paixões; o coração, o espírito, os sentidos, tudo trabalhou contra ela. -- Buffon, Hist. Nat., t. 4, p. 151, "Da natureza do homem". -- citado por Jean-Jacques Rousseau.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Lembrete

Estava na hora de sair desta maravilhosa zona de conforto cedida pelas férias. Tantas promessas e faltas. O livro à espera de ser folheado e minhas mãos fugindo do simples encargo de explorá-lo. A respiração funda, fingindo um alívio, os olhos inquietos e a mente a repetir: leia, leia, leia...
-- Apesar da distância, por meio da foto, o brilho nos olhos me contagiou, bem como seu entusiasmo por lutar pelas causas ditas "perdidas", um espírito alimentado pela vontade de ajudar. O rapaz já se torna um vitorioso somente com a persistência e garra. Mais que um passeio na praia, um ato a favor dos banhistas, a coleta dos lixos; muito além de uma demonstração pública de afeto para com os animais, era o registro do clamor pelo direito deles. Dono do sorriso que sugere ser fácil a caminhada da militância, ele possui não somente um rosto bonito, como também uma mente brilhante. Seu objetivo é pisar nos preconceitos e resgatar valores que estão se perdendo, tal como o respeito às diferenças; ter o reconhecimento de seu trabalho e a continuidade dele, o resultado. --
Após a descoberta, sem querer, idiotizo qualquer comportamento que esteja alheio ao desse rapaz. Piadas parecem não ter mais graça enquanto penso nas pessoas que estão viajando pelo país ou transitando pela cidade, lutando em prol das causas dos humanos e dos animais. Devido a incontáveis motivos ainda me é difícil lutar, porque estou sob a responsabilidade dos pais. Considerando que tenho alguns limites, ler é quase a minha única opção e o mínimo que posso fazer quando a palavra "mudança" me significa mais ao lado do futuro. Mudança -- que comece agora.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Detença

Ainda que eu me desafie
A lançar pedras pro alto,
Elas não caem em mim
Elas caem no asfalto.

Em um rápido lance
Você me nota, mudo.
Palavras enforcadas,
Meu silêncio, meu escudo.

Eu me fecho, eu me escondo.
Isso não é sofrimento,
Mas maneira de dizer
"Estou te dando um tempo".

O relógio se zanga:
Que papo monólogo!
Tique - dobra-se a culpa;
Taque - e sou psicólogo?

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Sinal

Quando a gente pensa que está para baixo e que mais nada pode melhorar, outro dia nasce e prova o contrário, cabe a nós vermos o sinal. Meus primeiros dias de dois mil e treze não foram os melhores. A começar já pelo final do ano passado, na ceia de Natal, relatei aqui a insatisfação em perceber a falsidade escancarada por toda parte. Cada aperto de mão ou frase bem feita era motivo para iludir os menos rebelados com essa procura superficial de agradar as pessoas. Mas é passado triste e não me importo em enterrá-lo.
Depois, no réveillon, o clima parece ter melhorado, as energias fluíam positivamente. A reunião de entes queridos me dá uma sensação de conforto. Vê-los sorrindo sara as minhas feridas psicológicas, sejam elas em decorrência do que realmente vivi ou do que construí com minha imaginação fértil. Chamo-as de feridas porque possuo uma leve obsessão por acentuar o lado negativo das situações e me machuco propositadamente, ciente de que reclamações não serão poupadas, ainda que em silêncio. Meu olhar entrega o meu estado de espírito, mas graças à oportunidade de presenciar a comemoração da passagem de ano com quem eu amo, esse olhar é substituído pelas gargalhadas sinceras.
Com as mágoas deixadas no esquecimento, fui a um tributo da banda Red Hot Chili Peppers que aconteceu no dia quatro de Janeiro na companhia da minha melhor amiga. Antes, porém, eu a chamei para passar em frente a um barzinho ao lado da universidade a fim de ver um conhecido meu do Facebook, aniversariante daquela data e que havia me convidado. A simples perambulada em frente ao bar era resultado da falta de coragem em parabenizá-lo, pois as nossas conversas se limitavam à rede social e, apesar desta ocasião ser propícia, relutei em encontrá-lo. Só resgatei a autoconfiança após o chamado para ir ao tal tributo que, a priori, era o meu objetivo. Atravessei o corredor do pequeno bar e ele estava lá, recebendo abraços e beijos dos/as conhecidos/as. Num piscar de olhos, por acaso, vi-me diante daquele rapaz alto, que tanto eu admiro pelas frases inteligentes que ele compartilha em seu perfil. Seus olhos encontraram os meus, que perdidos no vácuo um segundo depois, decidiram contemplar novamente aqueles olhos saudosos. Abracei-o ao mesmo tempo em que proferia os "parabéns, muitos anos de vida". Por curiosidade questionei-o se tinha lembrança de mim e em bom tom ele disse meu nome completo. Tal qual foi o meu susto, meu embaraço, meu rosto vermelho e minha emoção. Saí alegre feito uma criança.
Cheguei ao local onde ocorreria o tributo. Um lugar com poucas luzes e muita gente. A banda se apresentava e por estarmos próximas do palco, minha atenção foi atraída para o baixista. Afinal a banda Red Hot Chili Peppers é composta pelo segundo melhor baixista eleito pelo site da Rolling Stone: Michael Peter Balzary, mais conhecido pelo seu nome artístico Flea. Desse modo, meus critérios em observá-lo não eram inválidos, mesmo ouvindo de um baterista que o baterista da banda tinha talento. Mesmo me lembrando de já ter admitido a um número considerável de pessoas que a guitarra é a alma da banda. Em relação ao vocalista, ele colava descaradamente nas letras das músicas, não sei se por tensão, insegurança, despreparo ou qualquer motivo similar a esses, e eu não consegui tirar um conceito objetivo dele.
O show não havia acabado ainda, mas eu combinara de sair às duas da manhã. Saí meio desanimada por não ter autonomia de permanecer mais tempo, pois T.N.T. acabava de tocar soando como despedida. No caminho, meu irmão a conduzir o carro e minha mãe quieta acalmaram nossos nervos, até pude ouvir o zumbido pós-festa e sentir o cansaço tomar conta de mim. Minha amiga posou na minha casa e enquanto não nos rendíamos ao universo onírico, conversávamos a respeito de tudo: do cara que lembrou meu nome, das pessoas que vimos e conhecemos no show e do clima estranho dentro do carro. Desliguei as luzes e dormimos, combinadas de acordar juntas às oito horas. 
No outro dia, descobri que um amigo meu se acidentara de carro e que estava internado na UTI correndo risco de vida. Chorei, implorei, refleti sobre a vida e sobre a morte e regressei às missas e novenas. Há uma semana que minha fé se reergueu e devo isso ao meu amigo, ao sinal que recebi. A notícia boa é que ele está se recuperando, já passou por três cirurgias e responde aos estímulos com rapidez. Seu estado ainda é considerado grave, mas a torcida para que ele melhore é grande. Por isso e por tantas outras coisas é que não vejo razão em desperdiçar a vida em manter o mau-humor. Efemiridade é o seu forte e nunca sabemos quando essa linha acaba.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Tu Tens um Medo

Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo dia.
No amor.
Na tristeza
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
Não ames como os homens amam.
Não ames com amor.
Ama sem amor.
Ama sem querer.
Ama sem sentir.
Ama como se fosses outro.
Como se fosses amar.
Sem esperar.
Tão separado do que ama, em ti,
Que não te inquiete
Se o amor leva à felicidade,
Se leva à morte,
Se leva a algum destino.
Se te leva.
E se vai, ele mesmo…
Não faças de ti
Um sonho a realizar.
Vai.
Sem caminho marcado.
Tu és o de todos os caminhos.
Sê apenas uma presença.
Invisível presença silenciosa.
Todas as coisas esperam a luz,
Sem dizerem que a esperam.
Sem saberem que existe.
Todas as coisas esperarão por ti,
Sem te falarem.
Sem lhes falares.
Sê o que renuncia
Altamente:
Sem tristeza da tua renúncia!
Sem orgulho da tua renúncia!
Abre as tuas mãos sobre o infinito.
E não deixes ficar de ti
Nem esse último gesto!
O que tu viste amargo,
Doloroso,
Difícil,
O que tu viste inútil
Foi o que viram os teus olhos
Humanos,
Esquecidos…
Enganados…
No momento da tua renúncia
Estende sobre a vida
Os teus olhos
E tu verás o que vias:
Mas tu verás melhor…
… E tudo que era efêmero
se desfez.
E ficaste só tu, que é eterno.

-- Cecília Meireles.