quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Contexto

Eu sempre tive o hábito de me autoflagelar, de buscar recordações de um passado amargo e trazer nítidas imagens daquilo que eu joguei fora. É um costume: todas as manhãs me pego lembrando as frases que me entristeceram, de pessoas que me decepcionaram e de músicas que me fizeram chorar. Gosto de ser assim, pois parece que só desse modo dou o valor necessário à minha atual condição, uma situação diferente. Nem tudo que se tornou lixo partiu primeiro da minha vontade. A gente cai no desapego assim que o mal vira uma doença, prejudica o equilíbrio e ofusca a sensatez. Saltei para longe, e continuei agarrada sentimentalmente.
É incrível como uma música pode nos remeter a três anos. A mente se perturba ao constatar que hoje há limitações e a verdade deve ser velada, pois a assassinaram. Seria óbvio dizer que essa partícula que atende pela denominação de verdade não vai obstar meus planejamentos, nem interromper os acasos que os dias me oferecem. Essa morte, que é mínima diante de tanta coisa que está por vir, só me estimula a repensar as respostas a serem dadas aos convites que me são feitos. As consequências podem ser bem semelhantes às outras, e não tenho a finalidade de fazer uma coleção delas. A música encerra, e no ar se imprimem os risinhos tolos de uma adolescência apaixonada zombando da maturidade exposta. Deveria ser o contrário, mas é o poder da canção em diferentes tempos.
Have you ever seen the rain? Passageira e efêmera: a vida, a chuva. Que alguém já tenha visto a vida, não como um aglomerado de tarefas a serem realizadas, nem como a chance de atuar e ganhar prestígio por pessoas de todas as partes. Tampouco como o simples ato de respirar. Que alguém já tenha visto a vida como ela é: um fenômeno breve capaz de deixar marcas naqueles que ela desperta a busca de algum sentido. O sentido de não fazer sentido. A música instrumental, a chuva de granizo, a vida. O violão desafinado, as inundações, o lixo. O som que ensurdece, o raio, o trovão, a vela que se apaga. A preocupação de cair no ócio, a preguiça de se ocupar, a verdade que mente. As marcas que correm nas nossas lembranças, sejam elas doces ou amargas, provam que um dia se viveu. Se ainda se vive, ainda é tempo de substituí-las, mudá-las de contexto, trocar a música.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Oceano

O ser humano é como um oceano: apresenta uma superfície visível e esconde uma profundidade absolutamente inatingível. Toda tentativa de tipificá-lo é um mero lenitivo, uma necessidade que nos traz um alívio. Assim procedendo, apalpando um corpo que fingimos existir, escamoteamos um conhecimento que queremos desconhecer: jamais conheceremos a nós próprios, pois somos um ser atravessando uma neblima, como Édipo na mão do destino.

SILVA da, Fernando Moreno; CORTINA, Arnaldo. O blogueiro como representação da contemporaneidade. R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.6, n.2, p. 161-190, jul./dez. 2009.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Desapego

Mais uma semana se inicia. O sol iluminando a bela segunda-feira, os pássaros cantam para anunciar os bons fluidos, afinal, hoje é o primeiro dia da mudança, da página virada. As ações corriqueiras se apagam com o rodar dos ponteiros analógicos. Logo a ansiedade vai dominar o semblante do alvo principal, este que possui a finalidade de se desapegar das garras que se nutrem de suas forças. Fraco, desolado e quase sem esperanças, o sujeito encontra a luz em seu caminho cheio de percalços. Com o apoio de quem o ama, fica mais fácil aceitar o que lhe é novo e encarar corajosamente. A entrega se faz meio resistente pelo tempo perdido na escuridão, mas embora os nervos comecem a se agitar, o dia ritmado com o cantar das aves saúda a quem precisa de incentivo e a confiança o inunda.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Diário pessoal

O telefone toca. São onze horas da manhã, mas o relógio insiste em atrasar, afinal o horário de verão acaba no próximo dia dezessete. Ouço alguns barulhos como o arrastar de cadeiras, conversas pelo corredor, passadas de vai e vem, gente jogando água na escadaria da frente, e às vezes o tilintar de chaves. Como de costume, a minha sala está me congelando por conseguir absorver todo o vento frio que entra pela janela e eu não faço ideia da real sensação térmica do dia. Por ora, limito-me a fazer uma confissão: eu nunca tive um diário pessoal.
Esse depoimento pode parecer estúpido, considerando o tempo que me dedico a este blog. Escrevo sobre assuntos que modelam a minha personalidade, como a vida acadêmica, a vida familiar e religiosa, sobre o meu psicológico frente a essas vidas e, finalmente, sobre as pessoas que têm algum contato comigo, seja ele direto ou indireto. Basta surgir a vontade de escrever que eu me sento e redijo frases aleatórias. Em princípio, as palavras soltas e repetidas se mostram indiferentes, cumprindo apenas com o cargo de encher as linhas. No entanto, com a releitura do suposto texto e a conclusão de não fazer sentido, o editor entra em cena e é minha vez de atribuir cores àquelas palavras. Independente disso, jamais sei do que vou falar, não é meu forte criar expectativas.
Provavelmente, por impedir a criação de falsas esperanças, nunca tive um diário pessoal. Ainda que eu quisesse, não seria como Simone de Beauvoir que relia seus diários e ligava as emoções, quase sutis, aos acontecimentos históricos, tal como a Segunda Guerra Mundial. Não seria também como Virgínia Woolf, que com o seu fluxo de consciência, alcançou notoriedade falando de temas relacionados à condição feminina; ela que tinha o anseio de voltar ao seu diário "depois de um ou dois anos e descobrir que esse conjunto organizou-se por si mesmo, apurou-se e fundiu-se". Nem mesmo seria Jean-Paul Sartre que fazia descrições em seu relato autobiográfico dos autores de obras clássicas que ele lia, misturando as características pessoais com o formato dos livros e a disposição deles nas prateleiras. Essa descrença de não ser o espelho desses ícones se deve à única razão da minha escrita ser diferente e, se eu buscasse me assemelhar, tiraria o brilho que eles possuem para mim. Além disso, eles integram o grupo de pessoas que moldam a minha personalidade, influenciam o meu desenvolvimento enquanto leitora, mas por que eu não admito, não me determinam enquanto pessoa e escritora e, só assim, fazem-me ser o que sou.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Esquecido

Mais de duas semanas sem escrever no blog. Não, eu não me esqueci dele e nem de sua função, esta que é me absolver dos pensamentos. O blog é um composto das minhas confissões, o resumo de reflexões diárias, ou noturnas, ou oníricas. Essa demora se deve às férias, em razão delas me proporcionarem mais espaço para conversar com meus pais, amigas e amigos. O tempo vago é tão benéfico ao ponto de eu também brincar mais com meus cachorrinhos. 
No entanto, o diário virtual sofre com essas lacunas preenchidas no meu dia a dia e são tantas histórias a serem contadas que prefiro guardá-las comigo, ao menos por enquanto. Textos não carregam a mesma emoção quando eu posso viver as situações. Eu poderia narrá-las uma a uma aqui e desenhar um cenário maravilhoso a quem lê, mas minha ocupação não é apenas despejar palavras bonitas para imaginações alheias, é também achar que elas me fazem viajar. Ou seja, eu quero sentir a vontade de publicar textos neste blog quando rememorá-los me ser, de alguma forma, significativo.
Hoje, por exemplo, acordei no meio da madrugada com o pavor elevado, reação que é fruto de um pesadelo. Por um instante, eu não tinha vinte e um anos de idade, mas treze. Geralmente quando sou motivada a acordar por causa de um pesadelo, a recordação é nítida e formulo várias frases, aquelas que proporcionam conforto para seguir a outra metade da madrugada mais tranquila. Felizmente essa autoajuda é tão eficaz que jogo o pesadelo na lixeira da memória. Se eu restaurar ou não é outro caso, agora a massa cinzenta não está trabalhando para isso. Graças às superstições maternas agrupadas no meu cérebro desde pequena, tentei culpar os meus chinelos, pois como não estavam sob a cama, eles não impediram o pesadelo.
Independente dessa crença fazer algum sentido, o que me custa a acreditar, embora tenha me passado à mente, meus dias de folga estão acabando e o suposto pesadelo nem começou. Logo as aulas se iniciam, o Trabalho de Conclusão de Curso terá encaminhamento, assim como as regências de Língua Estrangeira e o Projeto de Mestrado. Os preparativos para a próxima semana se limitam à música boa e nacional. Deixei AC/DC reservado por um curto espaço de tempo até que eu sinta falta. Esta semana será regada a Engenheiros do Hawaii, Mamonas Assassinas e Nenhum de Nós. Ora ou outra a minha banda preferida aparece, pois como o bom leitor e a boa leitora já sabem, suas músicas me levam às boas lembranças, pulando as outras que a gente precisa deixar para trás.