domingo, 29 de julho de 2012

À janela


É que sempre a Matéria, mesmo sem o compreender, sem dele tirar a sua felicidade, adorará o Espírito, e sempre a si própria, através dos gozos que de si recebe, se tratará com brutalidade e desdém! -- José Matias.

sábado, 28 de julho de 2012

A outra, a fera

Contagem regressiva para o início das aulas e eu ansiosa, afinal logo na segunda-feira começam as inscrições presenciais para o segundo semestre do curso de Formação Pré-acadêmica. Há meses reclamei por não haver tanta gente preenchendo formulário e depois, no último dia, várias pessoas traziam seus documentos. Realmente, equivoquei-me e confesso ter ficado feliz pelo engano.
Na primeira semana de aula terão trabalho e atividades para entregar, os quais eu ainda estou na metade do caminho. A preguiça é minha companheira quando resolvo fazer algo referente à faculdade, mas preciso evitá-la ou confrontá-la, pois a sabedoria vem do esforço e dedicação. Notas fazem a diferença no final do ano e eu não quero ter que encará-las e lembrar que eu ficava o dia todo na Internet. Embora eu tenha mudado este pensamento, isto é, de permanecer debruçada em textos nas dezessete horas que estou acordada.
Tal mudança se reflete até no meu humor. Na minha expressão facial. No meu sorriso. No meu dinheiro. Ainda assim, com toda essa transformação, se para o bem ou para o mal, estou melhor. Sinto que fiz dessas três semanas de férias as melhores que já tive. Fui a tantos shows, conheci tanta gente, comecei a frequentar a academia, li um livro (deveria ter lido mais, mas mudei!), assisti a vários filmes, estou ouvindo outras músicas, enfim tomei as minhas próprias decisões sem medo das possíveis objeções. Só de ver o meu reflexo no espelho, sou outra pessoa. Sei que sou. Acho que uma pessoa melhor, mais contente! Mais risonha (mais?!). 
Espero carregar esse sorriso durante os próximos cinco meses. Que falta me faz a correria do dia-a-dia; dos papos da minha sala; dos assuntos mais assustadores. Contudo, eu não tenho saudade das tarefas, sei que elas têm alguma função profícua, mas saudade, definitivamente, não! Até porque elas reluziram sobre a minha mesa nas férias e ainda insistem em serem lembradas quando vou ao meu quarto. Mexem com o meu emocional por alguns dias, e saber que posso quitá-las, nem que seja no desespero, me conforta. Não sou a única a me sentir assim. Graças à mudança, agora mais do que nunca, estou segura. Ninguém vai me fazer cair e se eu cair, é porque de alguma forma estou no topo. Não ocorrem quedas com quem já está no chão. Sou outra, mudei. Despertei a fera que havia em mim.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Dia do amigo

Eu sei que o "Dia do Amigo" é só mais uma oportunidade comercial para as pessoas gastarem dinheiro. Sei que elas são persuadidas a fazerem compras para não deixar a data passar em branco. Propagandas por todos os cantos da cidade, além de conter anúncios na Internet, o que faz com que a gente sinta uma pequena obrigação de presentear alguém, marcar o seu dia, tão especial. Oh! Tantos desejando feliz dia do amigo nas redes sociais e mais uma vez o que é tão raro é banalizado. Por intermédio desses vocativos, alguns tentam mostrar o quanto possuem fama.
Entretanto, o que faz de nós sermos "amigos" é compartilhar tristezas, alegrias, vivê-las juntamente e isso não acontece num dia, só em anos. Mas, se é assim, como fica a amizade à distância? Eu tenho amigos que não vejo no corre-corre da semana e mesmo assim considero-os como tal. Amizade é um sentimento indefinível. Uns você chama de "parceiro (a)", outros de "amigão/ amigona", poucos de "son of a bitch/ bitch" e todos eles fazem você feliz de algum jeito. Todos irão te decepcionar e pedir desculpas depois e, do mesmo modo, você os machucará e se desculpará.
Além disso, quando se fala em amigo, há certa insistência em pensar em pessoas, e os nossos queridos animaizinhos de estimação? Quando estou triste são os meus cinco Poodles que ouvem meus lamentos. Quando quero diversão basta chamá-los e eles estão prontos para a aventura. Esses cachorrinhos são a minha alegria! Tem outra cachorrinha, uma Yorkshire, que não está sempre comigo, mas que também completa o time da família, que participa das nossas brincadeiras. Esses amigos não veem e nem entendem as propagandas do "Dia do Amigo" e, talvez por isso, são os nossos melhores companheiros. Não dizem uma palavra, e possuem a capacidade de se fazerem compreensíveis. É uma dádiva sem tamanho tê-los!
Outros amigos são os livros. Novos, velhos, brancos, azuis, laranjas. São frutos de compras, do capitalismo, de toda essa manipulação mercantil, mas não são efêmeros. O conhecimento, as viagens, as divagações que as páginas lidas nos proporcionam é de desmedido valor. Parece que voltamos séculos quando lemos determinadas histórias; em outras refletimos a nossa vida; há ainda as que nos fazem idealizar um futuro. Livros são amigos e trazem as palavras de um dito não dito, o leitor é quem pescará o sentido e o refúgio que procura. Tão subjetivos.
A música, seja ela lenta, agitada, instrumental, nacional, internacional, enfim, carrega emoções e, dependendo da minha escolha, torna-me mais confiante. Ou menos. Além disso, ela tem o poder de desengavetar da nossa mente as pessoas que a admiram. Quem nunca ouviu uma canção para poder lembrar-se de alguém? Às nossas inquietações, a música age como antídoto, atenuando-as, se optarmos, ela também consegue ser tóxica, exacerbando-as. Uma coisa é certa: ela sempre está nos transportando para além da nossa realidade, e isso é magnífico. Uma mensagem captada numa canção é traduzida, muitas vezes, como conselho. Uma amiga e tanto, com o simples ligar de um aparelho de som.
Os inimigos também podem ser amigos quando o suposto futuro prejudicado é que se dá bem no fim. Que fim? Se não morremos, não houve fim. Um longo caminho me aguarda e nessa maratona há ainda muita gente para conhecer, animais para encontrar, livros para viajar, músicas para dançar, arco-íris a admirar. Assim, acumulo amigos de diversos tipos, com diferentes espaços e objetivos, mas todos, a partir do momento que eu aceito, formando opiniões e disseminando sabedoria, seja ela popular, científica, filosófica etc., e se me fazem bem, eu não vou reservar apenas um dia a eles só porque a mídia quer.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Sofia

Em outubro mencionei minha personagem, Sofia, e fiquei de apresentá-la aqui. Antes disso, porém, gostaria de explicar que escrevi esse texto numa disciplina com a proposta de inserir diálogos com a variante diafásica, isto é, entre uma garotinha de cinco anos com seu avô. Acabei me identificando com a pequena, afinal sou curiosa e também tenho um avô esperto como o sr. Joaquim.

A nova vida e a vida “véia”

Sofia, de apenas cinco anos, foi passar o final de semana com a sua família na fazenda de seu avô Joaquim, um senhor de noventa anos. Após o almoço, Sofia lembrando o que sua mãe lhe falara sobre as pessoas idosas, a respeito da sabedoria que acumulavam durante a vida, resolve, então, perguntar a ele algo sobre as redes sociais da ”Internet”, para testar a “tal” sabedoria.
Primeiramente, Sofia pergunta a seu avô se ele conhecia o fenômeno da exclusão do ”Orkut”, o chamado “orkuticídio”. Porém senhor Joaquim, que desconhece tais inovações e está limitado às margens dos campos, responde de modo que não atinja às expectativas de sua pequena ouvinte. Para ele “orkuticídio” soava como suicídio, fazendo ainda uma confusão entre “Orkut” e iogurte. Isso bastou para que Sofia começasse a perceber que seu avô não tinha tanto conhecimento assim. Sobressaltada, a menina tentou resgatar o vocábulo em inglês “house” a seu avô. Senhor Joaquim deixou-a surpresa quando responde corretamente. Entretanto, o velhinho faz analogia entre ”lan-house” e casa de lã, acrescentando a tais equívocos o fato de não haver necessidade de ir a uma casa que vende lã, pois está calor.
Ao ouvir os enganos cometidos pelo seu avô, Sofia convida-o, então, para conhecer a ”lan-house” e mexer na ”internet”. Tal qual foi sua decepção ao perceber que ele confunde as palavras “internet” e “caminhonete”, dizendo que esta estava estragada, murmurando algo como “mundo véio” ao mesmo tempo em que falava mal do mecânico que não tinha aparecido para arrumá-la. Atenta a tais expressões, Sofia perguntou a ele qual seria o motivo de falar “mundo véio”, mas o velhinho, absorto nos seus pensamentos, proferiu algo semelhante ao mecânico ser alguém que não gosta de trabalhar, um vagante no mundo.
Sem entender muito bem e desapontada com as várias tentativas de resgate da “sabedoria” de seu avô, Sofia pediu a ele que fechasse os olhos por um momento. Confuso, ele pergunta o motivo de fazê-lo. Ela, que se lembrou de outra conversa que tivera com sua mãe, justificou, em sua inocência, como sendo o ato de fechar os olhos do seu avô, a garantia da fortuna de toda a família. Senhor Joaquim, com a sua simplicidade, logo compreendeu do que se tratava e afirmou, brincando, que todos já eram ricos. Mesmo assim, solicitou que Sofia fosse “campiá canto”, que pode significar um “vai procurar o que fazer”, demonstrando uma leve irritabilidade com a intromissão da menina.
Enquanto Sofia andava com passos lentos para longe dele, senhor Joaquim refletiu que apesar de curiosa, sua neta é apenas uma criança. Ainda que ele a chamasse de “rapariguinha esperta”, sentia nela uma insaciável busca do saber e que grande parte desse saber, era em seu avô que ela encontraria. Arrependido, mas com um ar desafiante, o velhinho gritou para Sofia, a qual se volta ligeiramente com um olhar especulador.
O fazendeiro, então, questionou se ela sabia quem entre o ovo e a galinha existiu por primeiro. A galinha, respondera a menina meio desconfiada. O avô, percebendo a incerteza na resposta, provocou-a ao interrogar o modo pelo qual a galinha viria senão do ovo. Sofia, derrotada, respondeu num simples “sei lá”. Triunfante, o velhinho repreende-a dizendo que ela não é tão esperta assim e sugere, em tom divertido, uma pesquisa no tal “iorkute”, finalizando a conversa ao provar a sua sabedoria.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Porre

Sobre a mesa: um copo de vidro que envolvia até o topo um líquido incolor enfeitado com dois limões e dois cubos de gelo. Ao redor da mesa: duas pessoas conversando assuntos polêmicos. As bocas não paravam de se mexer e as palavras eram cuspidas fervorosamente, os olhos inundados em fúria. Enquanto o mais fluente vomitava suas aflições, meu olhar alternava entre o rosto da pessoa e o copo. Achei por milésimos de segundos que eu seria indelicada ao desligar-me do contato visual para bebericar, mas aquela conversa era maçante, ainda que para o outro fosse significativa e a minha opinião era quase que decisiva. Mirei aquele verde dos limões e senti uma pontada de esperança nascer se eu os aproximasse de mim. Rendida, minhas mãos começaram a se aproximar do copo e, submisso aos meus desejos, eu puxava-o pouco a pouco mais para perto. O tagarela havia sido inspirado pela raiva e ódio das recordações amargas.
Agora éramos nós três, dois contra um. Aliei-me àquela bebida, pois era ela quem me daria forças para ouvir a todo aquele palavrório sem pregar as pálpebras ou dispor meus braços em cruz sobre a mesa e demonstrar a minha enorme ânsia de responder. Meu intuito não era desapontar aquele corpo afetado pelas más emoções. Então, sutilmente, fui diminuindo aquele conteúdo eficaz, e o tlin tlin dos gelos convidava o outro a jogar-se aos velhos devaneios e cutucar feridas que não cicatrizaram. Era um desenterrar de mortos incessante e eu sem noção de nada.
A história ia ficando cada vez mais fúnebre e os meus sentidos logo decidiram morrer também. O meu corpo foi tomado por uma moleza e o ato de concordar debilitou-se: ora a resposta era sim, ora não, depois só um balançar com a cabeça. Meus lábios não se uniam e de quando em quando abriam num bocejar terrível, animalesco. O cérebro não era devidamente estimulado pela decência de ser um bom ouvinte. Coagida por omitir a fraqueza vergonhosa, em pé, tentei reajustar-me na postura para resgatar o tom interrogativo ou o olhar curioso, nada. As pernas possuíam vontade própria e sucumbida a ela me apoiei de lado na parede. Agora era eu quem deveria obedecer as regras.
O som ficou distante, as imagens desfocadas entraram num movimento levemente giratório. Os gestos cessaram, as palavras foram freadas, senti-me libertada, pedi licença e cambaleante saí do campo de visão periférico. Os objetos eram disformes, em constante circular. Sentei-me. Era penoso suportar os cílios superiores afastados dos inferiores. Cogitei estender-me e notei que onde me sentara, felizmente, atenderia à praticidade, não tanto quanto à minha fadiga, e tombei. Despertei após duas horas, levantei-me assustada, com passos incertos, proferindo algumas sentenças incompreensíveis aos berros e fui motivo de piada, porque para mim a intensidade que empreguei não era tão alta. Ri também, ainda estava meio bêbada. Após um tempo, os efeitos do álcool passaram e não tive nem ressaca, nem enxaqueca, só história para contar. Dizem que do primeiro porre a gente nunca esquece, verdade.

domingo, 15 de julho de 2012

O moço loiro

Sentadas à espera dos portões se abrirem, minha amiga e eu cantávamos melancolicamente, pois foi o único recurso que achei ser um passatempo até que decidimos parar, forçadas pela perceptível ausência de dom vocal. O tempo não corria. Vi um colega passar, cumprimentei-o. Nada que acontecia fazia o relógio nos surpreender, tudo tão pacato. Crianças passavam, gente chegava e os números pareciam ter congelado. Finalmente, após várias consultas na tela do celular, minha amiga anunciou que chegara o momento das portas abrirem-se.
Após uns vinte minutos em pé, aguardando a boa vontade de quem era o responsável pelo feito, as duas amigas notaram alguns arrepios proporcionados pelo despencar da temperatura. Ingressos na mão, a qual umedecera de tanto segurá-los, documentos no bolso, ansiedade estampada no rosto e a porta, enfim, nos acolhia, depois de um empurra-empurra meio desesperado. Com os pés já para o lado de dentro da porta alegramo-nos, as expressões faciais eram a maior prova disso, afinal o frio não mais nos agarrava. Restava-nos agora encontrar os assentos que havíamos reservado e permanecermos ali, às gargalhadas, do início ao fim do espetáculo de humor.
Até que um rapaz acompanhado de mais três amigos senta-se à nossa frente. Alto, magro, loiro, com aparência de vinte anos de idade. Ele vestia uma camiseta preta e nas costas havia sido inscrita, em letras brancas, a música da banda britânica Led Zeppelin. Confiando na minha memória, a música ou era Communication Breakdown ou Immigrant Song. O fato de ele ser rockeiro, ou não, me era indiferente e, por isso, continuei a fitar ansiosamente o palco; os humoristas haviam se atrasado.  
Finalmente as cortinas se afastaram uma da outra e a apresentação estava começando. O apresentador, se é assim que posso chamá-lo, pediu desculpas pelo atraso e, como pretexto e justificativa para tal, piadas locais como congestionamento, construção de ponte/ viaduto eram jogadas para a plateia. Com os olhos e ouvidos mais apurados, as pessoas se manifestavam e tentavam responder prontamente as perguntas. A apresentação dos outros participantes foi feita e agora o show era para valer.
O nosso vizinho, entretanto, começou a se inquietar e levantou a cabeça ligeiramente. Para propagar a voz na velocidade da luz, elevava-a na medida em que as pessoas eram solicitadas a participar. De onde eu estava, era ele quem mais gritava. Senti duas profundas vontades: a primeira era chamá-lo por intermédio de um “tapinha” discreto no ombro, olhá-lo nos olhos, estampar um sorriso tímido, quase que amigável, e dizer que eu não estava ali para vê-lo e não havia pagado para assistir àquele show; a segunda, era a de ter uma metralhadora.
Se esse rapaz é engraçado entre os seus amigos, se ele faz sucesso com as suas piadinhas, se ele já conquistou alguém assim, se ele é feliz, não importa, pois o seu comportamento era, naquela ocasião, estupidamente importuno. A cada nova tentativa de demonstrar a sua habilidade satírica, ele fracassava. Nem os três amigos riam das suas supostas frases bem elaboradas e a consequência de ser agradável com alguém assim é assistir-se aos dois espetáculos pela metade. Vale lembrar que um deles custou para estar ali e aquele trio estava ciente disso.
Incomodo-me até agora ao lembrar-me das inúmeras vezes em que o tal rapaz urrava insistentemente por “repolho” e em nenhuma delas a palavra faria sentido, o que, então, faz-me perguntar: “o que faz uma pessoa em sã consciência passar tanta vergonha num dia só?” Se é que estava em sã consciência mesmo. Não posso esquecer-me de quando “A menina que roubava livros” entrou na cena e eu quis explodir com o nosso colega, porque ele teve espaço, tempo, raciocínio para formular uma das piadas mais clichês ao se referir a livros (ou filmes, novelas) e a audácia de proferi-la achando que teria graça: “Ela morre no final, hehe.” Tão engraçadão! Ele queria que nós o aplaudíssemos? Que palhaço!
Para fechar, já que o cidadão é rockeiro, tento atribuir algum sentido a esse episódio utilizando-me das palavras de uma música interpretada pela Pitty: “Mesmo que seja estranho, seja você. Mesmo que seja bizarro, bizarro, bizarro”. Possivelmente, o rapaz do colapso da comunicação adquiriu-se dessas palavras como o lema do seu dia-a-dia. Considerando que isso seja verdade, que essa canção seja do imigrante, nisso ele se sai muito bem. Não ter vergonha de si mesmo é o que há. 

domingo, 8 de julho de 2012

Quebra-cabeça

Nessa minha caminhada de vinte anos noto as imensuráveis vezes que analisei pessoas, animais, plantas, pedras, céus, nuvens. Nessas revistas, realço o quão atrativo é analisar as pessoas. Cada uma com um jeito de andar, falar, olhar e se fazer compreensível. O modo como elas escrevem... Enfim, uma mistura de detalhes que só quem é detalhista percebe. Sou detalhista, antes, porém, sou analista. Gosto de analisar e passar um bom tempo montando o quebra-cabeça. O quebra-cabeça da vida das pessoas com as quais me relaciono. A propósito: uma das peças do meu gigantesco quebra-cabeça consiste em completar o dos outros, tal como vários quebra-cabeças compondo um só.
Essa necessidade de entendê-los me fatiga e juntar partes que se repelem também. Porém quando elas se atraem manifestam o meu lado impotente por não usar o raciocínio. Não gosto do que é fácil, pois se levantam suspeitas. A maioria desses picados de vida, felizmente, é complicada de reunir. Fico mais tempo resgatando imagens na minha memória e a lembrança mais fosca age como o sentido do quebra-cabeça todo. Aquela mais bobinha é a que fará falta. Um cansar benéfico, eu diria, porque, por mais que eu não tenha mais energia, sei que no dia seguinte o trabalho estará intacto, pronto para mais alterações. 
Todo dia chego a casa com vários quebra-cabeças para montar. Novas peças, mais desafios. Ainda que os pormenores sejam difíceis de unir, o fim está projetado na minha mente. É como se se comprasse um quebra-cabeça, embaralhasse as peças e se dispusesse a juntá-las. O produto final é o mesmo, só que a sedução está em ter o empenho de encaixá-las novamente e descobrir o modo pelo qual se dá a sua completude. Assim são as pessoas. Eu sei no que vai resultar, e não é nada de surpreendente, entretanto, a minha curiosidade está envolvida pelo reforçar da ideia. Saber que não há exceção ao referir-se a elas causa-me certo contentamento.
Embora o meu quebra-cabeça possua peças obscurecidas e que não têm nenhuma novidade, ele não se iguala aos outros. A proposta é, então, ser incompleto; mesmo porque já joguei fora algumas partes do quebra-cabeça, tentei recuperá-las, mas já haviam sido danificadas e desisti. É um jogo que exige de mim, não está isolado dos outros e, por mais longe que ele me leve, eu o acompanharei. Uma busca de mim em cada pessoa que me rodeia, isto é, um olhar vigilante para cada fragmento particular que cair em meu tabuleiro. Talvez ali esteja um resquício que me auxiliará em retirar-me como exceção; do plural para o uno.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Um a um

Acabei de ler uma pesquisa em que fala da necessidade que temos em descansar o nosso cérebro, pois devaneios fazem com que consigamos controlar a ansiedade e resolver melhor os problemas. Há tempos que não consigo ficar fantasiando e me iludindo com situações e pessoas de modo agradável. Quando me pego flutuando nos meus sonhos estou, na verdade, pensando numa situação, mais ou menos, ruim. Já é estar em ócio, mas acredito que tais desfoques da realidade me tornam mais ansiosa ainda. Ultimamente ando com a preocupação de quitar todos os trabalhos nestas férias que nem se iniciaram conforme o calendário universitário e, embora eu tenha tempo, me atormentam.
Ainda assim, comecei a fazer atividades físicas regularmente, o que de certa maneira, me tiram da disforia. Para completar, o mês de Julho em Ponta Grossa está tão aconchegante que nem parece Inverno. O sol vem bater à minha janela para acordar-me todas as manhãs e tal fator me entusiasma a prosseguir com meus planos. Sem contar as noites bem dormidas que estou tendo. Nada de sonhos. Nada de pesadelos. Apenas dormir bem. Talvez esteja aí a parte do enigma que denota a minha condição de não selecionar um tempo para cair em profunda meditação, afinal, é durante o repouso que isso acontece, ainda que com tamanha neutralidade.
Como desafio, no entanto, proponho-me a sair do campo exterior consciente e voltar-me somente ao interior. Um ato de compreender a mim mesma, pois alguns acontecimentos se arrastam em minha direção e, sôfregos, querem me envolver pelos tornozelos e me tirarem da vida que me submeti e deslocarem-me ao padecimento. O sofrer mental ou físico resultará no vazio. Lembrar-me de feridas que não se cicatrizam por serem estampadas com a expressão melancólica todos os dias, faz-me fraca. Meus olhos se afogam em lágrimas que insistem em descer. Dissimulo rapidamente e enxugo as quais apontam com mais audácia, pois não quero apresentar a minha alma interior à percepção vizinha. Primeiro: porque seria inútil. Segundo: porque ninguém me entenderia. Terceiro: porque ninguém tem nada a ver comigo. Só eu e mais ninguém: um diálogo entre duas almas com pontos de vista diferentes e que, de alguma forma, atraem-se. Um quebra-cabeça repleto de peças vazias e disformes.

domingo, 1 de julho de 2012

O lado bom

Quando pequena descobri a sensação que se tem ao ficar jogando videogame. Meu irmão comprou com o intuito de jogar com os amigos dele e eu, por ser criança, ficava só de plateia. Sempre havia o pedido da minha parte "depois dele, posso jogar com você?" e meu irmão dizia que sim, mas demorava um bocado até ser a minha vez. Os jogos não me eram tão atrativos, afinal eu não havia experimentado nenhum com o carpo, metacarpo ou falanges. Só olhar não tinha muita graça e a minha insistência era exatamente pela curiosidade em saber o porquê daqueles rapazes ficarem com os olhos colados na televisão, proferirem alguns palavrões se caso o aparelho travasse e comemorassem no fim de alguma partida. Geralmente era futebol.
Na televisão, o futebol era bem diferente daquele que eu estava assistindo e a magia estava aí, no poder de manipular os jogadores. Mas a minha paixão era assistir a jogos de luta, de ação mesmo. Meu irmão se delongava até ficar tarde e seus amigos irem embora e, então, eu perdia a chance de jogar na frente de todos e mostrar a minha destreza. Com frequência, e por educação (ou costume), esses amigos eram acompanhados pelo dono daquele videogame até o portão e ficavam conversando por um tempo. Enquanto isso, ao espiar pela janela e me sentir segura, pegava o controle número um (tão disputado pelos participantes) e colocava para rodar o cd do Street Fighter 03.
Tendo o computador como meu adversário, eu perdia na maioria dos rounds (acho que tá mais para o Mortal Kombat: FIGHT!). Ou, quando estava pegando as manhas, meu irmão repentinamente entrava na arena, ops, no quarto, e me expulsava. Sem dó, nem nada. Eu me fazia de coitada e com os olhos suplicantes pedia por uma luta. Tão humilde! Com a condição de ser uma e depois dela eu sair do quarto e deixá-lo dormir, ele aceitava. Eu triunfara a começar pela escolha do lutador: Chun-Li (Perfect!). Meu irmão: Ken ou Ryu. Minha lutadora era forte o bastante para eu não precisar ler a revista que meu irmão comprara para treinar, razão pela qual ele começou a me chamar de "apelona", pois eu repetia as magias "Hyaku Retsu Kyaku; Kikouken; Spinning Kick-Bird". Meu irmão também apelava, principalmente com o "Hadouken, Shoryuken e Tatsumaki Senpuu kyaku". Os golpes eram equiparáveis e a primeira luta foi, no seu limite, de ferver o sangue. 
Ainda assim, meu irmão venceu, o que me fez ficar ainda mais apegada àquele jogo; agora, as lutas que eu iniciasse com o computador passariam a ter uma finalidade: superar o meu irmão. Coitado! Apostei na Chun-Li repetidamente e foi com ela, inclusive, que fechei o jogo enfrentando Juni, Juli e M. Bison. Ah! Meu irmão também fechou Street Fighter, só que com o Ryu. Nossa predileção não era à toa, pois, por mais que passássemos horas derrotando os outros personagens (o computador), exceto se, aleatoriamente, o escolhido era o Sagat, com aquela risada maléfica de braços cruzados e um dar de ombros que irritavam, parecia fácil. Mais confiante e com truques novos, convidei meu adversário para outra luta e, a partir de então, venci-o na maioria das vezes, o que o enfurecera e o fez desistir de lutar jogos de ação comigo até o PlayStation estragar.
Apesar disso, Street Fighter, Mortal Kombat, Crash (que não é de ação), FIFA, Need for Speed conseguiram fazer daquela época a melhor fase da minha vida. Essa fase não volta porque não tenho a mesma assiduidade e dedicação em decorar os golpes como antes e, também, por não termos substituído o Play. Porém, a vontade de reviver os dias em que havia calos nos meus dedos não é pouca ao ponto de, qualquer dia desses, numa situação adequada, sujeitar-me a usar cosplay da Chun-Li. Provavelmente seja só um modo de dizer, amanhã já mudo de ideia. No entanto, supondo que seja verdade, a justificativa se daria por ter sido com ela que venci meu irmão, o qual era o meu maior inimigo (Ryu/ Ken), e qualquer outr@ que ousava me desafiar. Era só uma forma de demonstrar a minha força, a qual transferi para a vida real. Acabei aprendendo a ser forte. Obs.: não abordo ninguém para espancá-lo, o sentido empregado de "força" é metafórico. A luta entre os meus sonhos e os meus temores, estes ainda que possuam a afoiteza de Sagat, só vai me fortalecer.