terça-feira, 27 de novembro de 2012

Equívocos

Vinte horas. Reunião em frente ao Café. Murmúrios das pessoas. Eu não conhecia ninguém. Insegura, desci as escadas, tentando não deixar que a esperança de reconhecer alguém escapasse. Sentei-me numa daquelas cadeiras, afastada de todos/as. Temi o novo e, por essa razão, parecia estar encarando os outros, mas era apenas timidez. Com a cabeça meio tombada para frente e com os olhos semicerrados, eu avaliava aquele grupo à direita, de esquerda.
Sempre me sinto assim em situações que eu não sei como correrão. Dizem que a gente não nasce sabendo. Já tentei fazer dessa frase a minha filosofia de vida e me sentir menos atacada pelos sentimentos que nascem em mim. Contudo, não é tão simples ficar me lembrando a cada instante que eu não nasci sabendo, que ninguém nasceu sabendo e, que talvez, ninguém provavelmente ainda saiba. Afinal, ninguém tem a fórmula exata de como viver, e nem sabe como formulá-la. Uns dizem que dinheiro não traz felicidade, outros fazem dele o abrigo, o conforto, a fuga da solidão. Eu só queria ser mais segura. Gaguejar menos. Pé firme e cabeça erguida.
Pouco tempo depois, sozinha, notei um amigo meu, que até aquele dia havíamos trocado umas poucas palavras, aproximar-se. Ele não é o que se dizem a ótima companhia, porém estava ali, dava a impressão que eu não era tão alheia à sociedade. Sentou-se sem pedir licença e começamos uma conversa maluca. Misturávamos assuntos acadêmicos com frutos da imaginação. Cogitamos em escrever um conto a quatro mãos. A conversa ficara entusiasmante a cada tópico adicionado.
No auge dessas propostas, alguns integrantes daquele grupo se deram conta de que eu também fazia parte da manifestação e vieram me dar boas vindas. Com uma leve alteração de temperatura na face, eu agradeci. Agradecer a um estranho faz-me agir como uma idiota. Contento-me em ter a certeza de que ninguém lê meus pensamentos, ou, mesmo que existisse alguém com esses poderes, o resultado da análise em abstrair algum sentido, de tão complexo, não seria imediato. Digo isso, pois tentei inovar mentalmente o agradecimento, em vão. Ainda que não perceptível, eu me sinto boba. Um "obrigada" parece tão clichê e foi a única saída que encontrei.
Sob as árvores, em outras dimensões daquele lugar, vi-me diante do tal grupo. Às escuras, cada um se apresentava. O desespero foi tomando conta de todos os meus nervos na mesma rapidez com que o nome, o curso e o ano eram proferidos. Novamente, fiz e refiz milhões de apresentações, e consegui emitir sofregamente o meu nome e o curso. Perguntaram-me o ano, pela falta dele. Que desastre! Com tantos tropeços, a imagem que passo é de uma pessoa que não gosta de falar, de se socializar. Uma concepção errônea, porque são inúmeras as minhas tentativas de prosseguir uma conversa. 
Numa delas, graças ao meu curso, ouço piadas infames e, certa vez, respondi a supor que transmitia a ideia de também possuir um humor elevado, via Internet. O sentido foi absorvido com êxito e, desde então, o piadista e eu somos colegas. Somente paguei e ainda pago o preço de arriscar as possíveis futuras amizades com esses lapsos humorísticos. Atingi alguém que depois seria o centro das minhas atenções. Sem conformar-me, busquei conversar, ser simpática e de nada resolveu. Ou eu gosto do sofrimento, ou já estava escrito que não teríamos uma relação amistosa... De qualquer modo, culpo-me por isso a cada vez que o vejo.

Sem você


nenhuma  metáfora
traduz      a falta
nenhuma  imagem
exata

faca       encravada
nesse     silêncio
dia         sem dia
piada     sem graça
acordar  sem você
me         mata

-- Frederico Barbosa
 

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Idealismo

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo
O amor na Humanidade é uma mentira.
É. E é por isto que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita e da hetaíra,
De Messalina e de Sardanapalo?

Pois é mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
— Alavanca desviada do seu fulcro —

E haja só amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!


-- Augusto dos Anjos.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Orgulho

Se os dias não ziguezagueassem tanto e não alternassem entre o alto e o baixo, a agitação e a calmaria, o calor e o frio, não haveria justificativas para se ter paciência em escrever um texto. Se eles não começassem extremamente cedo e não terminassem tão tarde, essas palavras seriam guardadas para outra ocasião. Além disso, se as pessoas das mais variadas características e idiossincrasias não povoassem os lugares que frequento, nada disso teria razão de ser comentado. A linha tênue entre a vitória e a perda, o sorriso e a lágrima, a educação e a grosseria.
Terça-feira: com um atraso de cinco minutos, logo pela manhã meu celular já possuía três chamadas perdidas de contatos distintos. Não é a fama, é a responsabilidade chamando por mim. Sento-me na cadeira reservada para a minha ocupação temporária e é hora de trabalhar. Remunerado ou não, eu estaria agindo amigavelmente, sem que se pudessem existir reclamações. Ao preencher setecentos e setenta e seis papéis, com olhos fixos e atentos, com algarismos miúdos no canto direito superior, o tempo corria. Em poucos instantes, um grupo de seis pessoas necessitaria da minha atenção. Recepcionei-o da maneira que gostaria de ser atendida. Logo depois, outra aglomeração se aproximava e após isso, a enumeração daqueles papéis seria interrompida constantemente.
Contudo, eu estaria satisfeita em servir e foi assim que permaneci por dois períodos naquela mesa. Lembrei-me do quanto os meus colegas lutaram e do quanto eles desempenharam o seu cargo levando qualquer detalhe a sério. Elogios e críticas eram considerados em seus discursos. Víamos o lado bom em tudo, além da confiança em estarmos fazendo a nossa parte e auxiliando no processo de mudança. A diversão mostrava a sua cara até mesmo em momentos de possíveis conflitos e eu me sentia orgulhosa de ter aceitado a proposta de me incluir nessa manifestação. Sabia que o benefício atingia a ambos. A válvula que nos impulsionava éramos nós mesmos.
A noite caía, a chuva também, e o meu ânimo nem havia oscilado. Eram vinte horas e os meus olhos estavam sedentos de pessoas naquele hall. A participação de todos/as alimentava a sensação de sermos vitoriosos. Até que, às vinte e uma horas, a reunião dos concorrentes foi feita. A apuração só se deu a partir da meia-noite devido às cláusulas a serem lidas, explicitando as possíveis falhas e suas respectivas penalidades. A curiosidade de saber da votação de cada urna com os meus próprios sentidos apontava violentamente em mim, mas àquela altura, eu já estava estendida sobre a minha cama trocando mensagem com um aliado meu. O clima era mesmo de campo de guerra.
Com a informação de que o início se daria mais tarde do que o esperado, aquele corpus textual adquiriu a função de conselheiro, o qual me induziria a descansar. Aceitei largar das mãos da curiosidade e me jogar aos braços do sono, pois ele já estava me provocando há um tempo. O meu quarto ia escurecendo lentamente com o fechar dos meus olhos e a mente repetia "A primeira coisa a se fazer amanhã é checar o resultado". Oito horas depois, acolhida na sala em que faço os meus planejamentos acadêmicos, recorri ao computador. Com os dedos apressados e ágeis em razão da curiosidade que os movia, a Internet não respondia os meus comandos devidamente até que... "Vencemos!" O contentamento exibiu-se por meio de olhos brilhantes e dentes à mostra. A galera aprovou e escolheu a nossa movimentação. Fechei a página e senti o orgulho dobrar-se: de mim e de todos/as que acreditaram em nós.

sábado, 3 de novembro de 2012

Ceticismo

Fugir, correr, e virar tudo para o alto e sequer me movo do lugar. Mil planos, mil frases, e os meus olhos permanecem fechados. O travesseiro suportando o peso de tantos pensamentos desconhecidos. O cobertor assumindo o cargo de bloqueio a qualquer inovação, a cegar outros pontos de vista. O rádio toca, minha mente flutua e minhas mãos sob a minha cabeça. Nada parece fazer sentido, muito menos quando eu sou a primeira a não tomar iniciativa.
Eu não sou como era antes e não mudei para melhor. Corro dos meus próprios passos, tenho medo da minha sombra e fujo do que pode me fazer bem. Arrisco caminhar por estradas sem cor. Observo as árvores e suas folhas secas. Tropeço nas pedras e cacos. Não quero companhia. Sangro, não pelos tombos durante a trilha, mas pelas palavras que ouvi e que agora insisto em lembrar. Sei que sozinha não farei mal a mais ninguém, basta a mim mesma.
O vento uiva estremecendo o meu corpo e esfriando o meu rosto. Bagunça o meu cabelo e o meu rumo. Pássaros pretos atravessam o caminho repleto de lixo. Papéis rasgados, canetas sem tinta, livros sem capa, frases sem sentido, pessoas sem conteúdo. Indícios do descuido. A esperança desaparece juntamente com aqueles peixes no córrego que avisto. Um desleixo imensurável, irrefreável. Noto uma placa corroída pela ferrugem com a inscrição de retorno. Seria essa placa um sinal de que posso ter coragem de apostar na vida?
Àquela altura, meus olhos já haviam dispensado duas lágrimas comovidas. Minha boca secara com o clima desagradável. Era outono. As nuvens começavam a se unir e o céu a escurecer. Um trovão urrou lá de cima a assustar-me. A acordar-me. A despregar os olhos e dar-me conta de que tudo era um pesadelo. Pois, por mais que grande parte desse "sonho" possua uma parcela de verdade, eu não deixei minha esperança perder o brilho, ainda que, além do tempo, se ofuscara pelos maus tratos. Eu entregava a minha esperança a quem eu considerasse digno dela e a responsabilidade dobraria, porém o indivíduo, negando-se a alimentá-la, me devolvia quando ela passava a ser um incômodo, um empecilho. Incapaz de atingir o mínimo da minha confiança.
Foi assim que aprendi a andar sozinha como naquele pesadelo. Desconsidero transferir uma parte de mim a quem se diz confiável. Não acredito em mais ninguém não pela raridade de tal virtude e, sim, pelo que adquiri com as minhas experiências. Sem generalizar, sem excetuar, simplesmente ajustei-me à filosofia de proteger o que é meu e, independentemente, dos sentimentos serem bons ou ruins, são inadequados às visões de mundo alheias. Um elo destruído antes mesmo de criar raízes.