domingo, 25 de maio de 2014

Antônimo

Parece mentira, mas os depoimentos de saudade sendo atualizados na página da rede social de alguém que deixou de ser substância não cessam. Eu sempre achei que deveria haver algum tipo de critério para as decisões, quaisquer que sejam, mínimas e particulares ou de grande notoriedade. A Morte não compartilha dessa mesma opinião, ela não se importa com quase nada, apenas cumpre seu encargo.
Isso significa que a respeito de os sorrisos esboçados terem sido suficientes ou de as rugas apontarem como uma demonstração física da experiência, as avaliações serão todas nulas. A Morte não averigua se os sonhos que emanam da mente humana estão no processo de realização. Desconsidera qualquer desejo, até mesmo o que a chama; e chega apenas no seu horário. Determinada, ela nutre grande desprezo pelas negociações.
Antônimo do nascimento, inquieta os vivos e faz com que um aglomerado de bocas comece a tagarelar frases avulsas em razão da viagem inesperada daquele que se calou. Seu maior defeito é a teimosia: quando cisma em ter determinado comparecimento, seja ele coletivo ou individual, tem-no presente. Como qualidade, a Morte possui um misto de força e obediência, pois não pesa a carga que precisa transportar. Às vezes, ela dá sorte e leva corpos minúsculos, mas nunca reclama se eles são pesados. Um trabalho árduo, um fardo só dela.
Calada, ela leva consigo muitos seguidores à força e, por causa disso, é temida por aqueles que conseguiram resistir aos encantos de sua feição cansada e paciente. Ela sabe que alguma hora eles a acompanharão, adianta discutir? Mesmo que a Vida acabe sendo considerada como uma adversária aos olhos equivocados, a estabilidade da Morte se comprova no momento em que há o acordo entre as duas, possivelmente resultando em aquela esvaziar-se e perder-se nos braços desta.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Praia de lamentações

Em um dia normal, Chavier Delaplata, um homem comum, sofria um amor platônico por Paola Hernandes, uma magnífica donzela que gostava de comer jabuticaba. Em um belo dia, Chavier Delaplata convidou Paola Hernandes para um passeio na praia de Acapulco.
Chavier Delaplata preparou uma surpresa para Paola Hernandes: uma refeição baseada em frutos do mar, churros, frutos e sanduíche de presunto.
Paola Hernandes: Oh, Chavier Delaplata, que surpresa encantadora!
Chavier Delaplata: Não foi nada, Paola Hernandes.
Paola Hernandes: O que posso fazer para recompensá-lo?
Passou pela cabeça de Chavier Delaplata vários pensamentos libidinosos e então uma simples resposta foi dita:
Chavier Delaplata: Um sorriso em sua face encantadora já basta, Paola Hernandes.
Paola Hernandes: Chavier Delaplata, você trouxe jabuticaba?
Chavier Delaplata: Deixe-me ver...
Paola Hernandes: Adoro jabuticabas, Chavier Delaplata...
Chavier Delaplata: Paola Hernandes, houve um pequeno imprevisto: não existem jabuticabas no México.
Paola Hernandes: Mas, Chavier Delaplata, existem em Tangamandápio!
Chavier Delaplata: Sim, mas só um verdadeiro Tangamandapiano sabe quais são as melhores.
Paola Hernandes: Não interessa! Está tudo acabado entre nós.
Chavier Delaplata: Mas...
Paola Hernandes: Não me importa o quanto a Gaivota é rebelde ou como a Paola Bracho é usurpadora, está tudo acabado entre nós, Chavier Delaplata.
Chavier Delaplata: Então embarque nesse carrossel.
Paola Hernandes: Não! Devemos ter cuidado com o anjo.
Chavier Delaplata: Mas se ainda resta uma gotinha de amor ou ainda um canavial de paixões, apenas Kassandra poderá nos dizer.
Paola Hernandes: Mas os Ricos também choram, Chavier Delaplata, pois todos temos o direito de nascer, viver, amar, morrer...
Chavier Delaplata: Então fugirei para o mar para não ter que me casar com Maria Mercedes, a feia mais Bela de sua família, Paola Hernandes.
Paola Hernandes: Mas me prometa uma coisa, Chavier Delaplata: se um dia você retornar do mar, não case com Rosalinda, Maria do Bairro, Rubi. Não se engane com aquelas carinhas de anjo, pois As tontas não vão ao céu.
Chavier Delaplata: Não posso mandar no destino, Paola Hernandes.
Paola Hernandes: Chispita e Mariana da noite não te merecem, Chavier Delaplata, pois apesar de Alegrifes e Rabujos, só nós dois temos o Privilégio de Amar.
Chavier Delaplata: Pois assim mesmo fugirei e talvez encontrarei Marimar e seremos Cúmplices de um resgate.
Paola Hernandes: Não! Você não pode fazer isso comigo, Chavier.
Chavier Delaplata: Já não podemos continuar juntos, Paola Hernandes, estou padecendo por amor, mas não podemos ficar juntos.
Paola Hernandes: Por quê, Chavier?
Chavier Delaplata: Descobri que somos irmãos!
Paola Hernandes: Mas como, Chavier? Quem lhe falou tamanha blasfêmia? Cometemos um incesto?
Chavier Delaplata: A Gaivota me contou!
Paola Hernandes: Não pode ser, me apaixonei pelo meu próprio irmão. Não sou digna de habitar essa terra.
Então Paola Hernandes cravou uma adaga em seu coração...
Chavier Delaplata: Não, eu estava apenas brincando... Existem jabuticabas no México. Agora é tarde demais, ficarei aqui até meus últimos dias.
Chavier Delaplata permaneceu ali até que sua vida viesse a terminar. O mar fez o corpo de Chavier ser carregado até suas profundezas e ele pôde descansar em paz ao lado de sua amada.

Por: Felipe Padilha (2013)

Atração

Eu cansei. Simplesmente deixo o tempo andar sozinho sem que eu precise andar ao seu lado. Nunca fomos amigos, nem tivemos muita compatibilidade. Meu nome é atraso. Prefiro chegar depois, rir depois, pensar depois, me locomovo devagar, sem pressa alguma. Carrego as ideias nas costas, elas pesam, essa é a razão de não correr. Se eu acelerar os meus passos, quando eu as proferir, elas podem ser consideradas ininteligíveis e minha presença talvez nem seja notada.
Há quem prefira contar os minutos, demarcar as atividades e ser sistemático. Contudo, a certeza da condução das ideias ser segura é abalada. As costas não conseguem acompanhar os pés, a cabeça deixa de produzir e pende para a frente, fazendo as ideias, os processos e a estima caírem. Ser ligeiro exige capacidade e nem todos possuem a franqueza de admitir sua ausência, pois querem provar a si mesmos que conseguem um título de notoriedade até o fim do ano. 
Estendo o prazo, sou mais paciente. Se sou jovem, preciso estudar, se velho, descanso. Desfragmento-me para compor um outro eu. Não quero seguir as linhas lógicas do que é considerado atual, pois um dia ele vai se tornar obsoleto também e acabarei me cansando da mesma maneira. Assim, tornar-me-ei velha do lado interior, apenas eu saberei das minhas limitações e, ao passo que tento demonstrar o contrário, desgasto-me.
Dispenso qualquer rotulação. Antes de andar no mesmo compasso que eu, pergunte-me a que lugar desejo chegar. Possivelmente após a resposta, tuas pernas se petrifiquem, teus olhos não consigam piscar e tua garganta se seque. Aí você vai ouvir o ruído ao longe dos carros que correm na estrada, das árvores que balançam as folhas umas com as outras violentamente. Só assim, olhará para trás e verá que se distraiu conversando comigo. Decida-se antes de ser atraído por palavras, elas se desmancham no ar, são abstratas e, em sua maioria, atemporais; por isso, me atraem.