domingo, 25 de agosto de 2013

Narcisismo

Sempre dissera que não amaria ninguém, exceto a si mesma. Incrédula, sua mãe lhe advertia em ser necessário doar-se a outro, pois o ser humano é provido de emoção, mas a moça não lhe dava ouvidos. As sobrancelhas arqueadas, os olhos em meditação e a boca avermelhada naquela pele macia faziam enlouquecer. Tanto que enlouquecera a ela própria por nutrir o ego.
Voltando da universidade, em um dia qualquer, embarcara no ônibus, como sempre fizera. Ao entrar, os olhos da moça foram atraídos na direção do novo cobrador. Um rapaz de cabelo castanho e olhos argutos. Olhos que não a fitaram como esperado. Os passageiros se sentiam incomodados sempre que a avistavam e aquele rapaz nem havia se movido.
Ferida por dentro, não descansaria até descobrir os horários do ônibus em que o tal cobrador estava. Seu sangue pulsava mais forte nas mãos, pelo frio e pela raiva. Sua maior denúncia era a expressão, afinal nunca lhe haviam desdenhado desse modo. Arrancou informações de antigos pretendentes com discrição. Nome, sobrenome, data de nascimento e endereço bastaram para saciá-la e partir para a conquista.
Inúmeras vezes os dois se encontravam, dentro e fora do ônibus. Na presença um do outro, via-se que o cobrador achava-a bonita, pois nascia nele um leve sorriso, enquanto que ela tremia descontroladamente. O queixo e as pernas estavam sob o efeito do ato involuntário e como dominá-los se, àquela altura, já haviam sucumbido aos seus próprios estímulos? O medo de uma conversa não planejada amedrontava-a, mas eram só fantasias; o rapaz não vinha em sua direção.
Motivada pela angústia e impaciência, inquiriu a um amigo em comum do cobrador que o informasse do seu interesse e que pedia pelo número do celular. O encontro fora marcado. Sem demora, ele se aproximou. Após um longo tempo de conversa ela percebera que sequer havia sido estampado o sorriso torto que tanto ela o vira lançar no ônibus.
Chegou a casa e se isolou no quarto, estava decepcionada e triunfante. Ela estava apaixonada! A lembrança do toque dos lábios perturbava-a: falava sozinha, murmurava frases ininteligíveis. Um "eu te amo" talvez. Preocupada, sua mãe inquietara-se no cômodo ao lado, sabia que aquele quarto seria o primeiro confidente, mas as paredes insistiam em deixar escapar alguns assovios e risinhos. De súbito, jogando-se aos braços da curiosidade, abrir-se-ia a porta onde estava sua filha. Desistiu logo de dar aviso de sua presença, pois lá estava a moça, tão linda, a contemplar-se no espelho. Nada havia mudado.

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