quinta-feira, 7 de junho de 2012

O corante da pipoca

Hoje minha mãe foi ao Corpus Christi e trouxe-me um pacote de pipoca e foi como um tiro na memória, porque me lembrei de quando eu era criança e a acompanhava nas novenas às quartas-feiras de manhã na Igreja São José. Confesso que eu não gostava muito de ir e nem sabia rezar direito. Acho que nenhuma criança sabe e se há alguma que saiba, eu fazia parte das que não se importavam em não saber. Aliás, o padre falava um bocado e eu não entendia bulhufas. Enquanto ouvia seus murmúrios, eu imitava a expressão séria das pessoas que pareciam tê-lo como foco.
Nessa busca de assemelhar-me aos outros, eu me remexia de um lado para o outro e cansava daquela mesmice, as crianças não costumam gostar da igreja. Minha mãe, ao perceber que logo eu suplicaria por sair, falava que, com a condição de me comportar, no término eu seria premiada. Chantagem de pais, eu sei, mas surtia efeito e eu sempre caía, me silenciando. Quando não suportava mais e começava a cochichar, a lembrança de ganhar alguma coisa pelos bons modos me vinha à mente e eu me policiava. Agia feito uma princesinha, conforme me havia sido solicitado. Não que eu tivesse a oportunidade de conhecer alguma princesa, mas era uma artimanha da mãe me elogiar como tal sabendo que eu sonhava em ser uma.
O tempo não passava. Terminado o sermão, vinha a consagração da hóstia. "Ora, ora! Quando ele vai dar a bênção final?" Possivelmente aos meus oito anos de idade eu não pensasse em "Ora, ora!", contudo foi a única interjeição encontrada que consegue revelar parte da minha pressa infantil. Não sabia por qual razão todos se ajoelhavam e eu tinha que fazer o mesmo. A minha vontade era a de ficar voltada para trás e examiná-los. Além disso, eu já havia me comportado bem àquela altura e pensava que eles deviam ver o rosto da princesa. Acima de mim, porém, havia um olhar de censura que me estremecia por dentro e me obrigava a ficar para frente sem hesitar: um receio de não ganhar o tal prêmio estava me dominando. Ninguém reconheceria a filha da rainha, por causa da própria majestade!
Após um longo falatório e uma pausa, dávamos as mãos e rezávamos o Pai-nosso. Era até bonito de se ver, parecia que realmente a paz reinava naquele instante. Aí, era a hora da Santa Comunhão e duas filas eram formadas. Pela ânsia de sair dali e ser premiada, esquecia-me desses detalhes e me desanimava, chegando ao limite de desistir do prêmio. Quando todos voltavam aos seus lugares e eu havia me decidido em me rebelar, minha mãe agarrava-me com delicadeza pela mão e me puxava para fora do banco e seguíamos em direção de uma senhora que vendia pipoca.
Meus olhos brilhavam em ver que havia duas opções: pipoca salgada ou doce. Em casa a mãe fazia sempre da salgada e a isso se devia a escolha da doce. Chegava a me divertir em olhar ambas no carrinho, pois o colorido desta fazia contraste com a brancura daquela. No caminho encontrávamos outras crianças que também haviam sido premiadas pelo bom comportamento. Sentia-me mais racional ao comparar as pipocas, pois, certamente, os pirralhos que haviam comprado da salgada não fizeram a prévia reflexão como eu. Hoje tenho outro ponto de vista em relação a esses acontecimentos e perdoe-me se fui uma criança calculista, era o máximo que eu podia chegar. Só não mudei na parte do prêmio, pois ele conseguiu ter o mesmo efeito de outrora; e tudo porque eu associei diversão às cores da pipoca. Quanta simbologia!

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