terça-feira, 17 de julho de 2012

Porre

Sobre a mesa: um copo de vidro que envolvia até o topo um líquido incolor enfeitado com dois limões e dois cubos de gelo. Ao redor da mesa: duas pessoas conversando assuntos polêmicos. As bocas não paravam de se mexer e as palavras eram cuspidas fervorosamente, os olhos inundados em fúria. Enquanto o mais fluente vomitava suas aflições, meu olhar alternava entre o rosto da pessoa e o copo. Achei por milésimos de segundos que eu seria indelicada ao desligar-me do contato visual para bebericar, mas aquela conversa era maçante, ainda que para o outro fosse significativa e a minha opinião era quase que decisiva. Mirei aquele verde dos limões e senti uma pontada de esperança nascer se eu os aproximasse de mim. Rendida, minhas mãos começaram a se aproximar do copo e, submisso aos meus desejos, eu puxava-o pouco a pouco mais para perto. O tagarela havia sido inspirado pela raiva e ódio das recordações amargas.
Agora éramos nós três, dois contra um. Aliei-me àquela bebida, pois era ela quem me daria forças para ouvir a todo aquele palavrório sem pregar as pálpebras ou dispor meus braços em cruz sobre a mesa e demonstrar a minha enorme ânsia de responder. Meu intuito não era desapontar aquele corpo afetado pelas más emoções. Então, sutilmente, fui diminuindo aquele conteúdo eficaz, e o tlin tlin dos gelos convidava o outro a jogar-se aos velhos devaneios e cutucar feridas que não cicatrizaram. Era um desenterrar de mortos incessante e eu sem noção de nada.
A história ia ficando cada vez mais fúnebre e os meus sentidos logo decidiram morrer também. O meu corpo foi tomado por uma moleza e o ato de concordar debilitou-se: ora a resposta era sim, ora não, depois só um balançar com a cabeça. Meus lábios não se uniam e de quando em quando abriam num bocejar terrível, animalesco. O cérebro não era devidamente estimulado pela decência de ser um bom ouvinte. Coagida por omitir a fraqueza vergonhosa, em pé, tentei reajustar-me na postura para resgatar o tom interrogativo ou o olhar curioso, nada. As pernas possuíam vontade própria e sucumbida a ela me apoiei de lado na parede. Agora era eu quem deveria obedecer as regras.
O som ficou distante, as imagens desfocadas entraram num movimento levemente giratório. Os gestos cessaram, as palavras foram freadas, senti-me libertada, pedi licença e cambaleante saí do campo de visão periférico. Os objetos eram disformes, em constante circular. Sentei-me. Era penoso suportar os cílios superiores afastados dos inferiores. Cogitei estender-me e notei que onde me sentara, felizmente, atenderia à praticidade, não tanto quanto à minha fadiga, e tombei. Despertei após duas horas, levantei-me assustada, com passos incertos, proferindo algumas sentenças incompreensíveis aos berros e fui motivo de piada, porque para mim a intensidade que empreguei não era tão alta. Ri também, ainda estava meio bêbada. Após um tempo, os efeitos do álcool passaram e não tive nem ressaca, nem enxaqueca, só história para contar. Dizem que do primeiro porre a gente nunca esquece, verdade.

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