domingo, 15 de julho de 2012

O moço loiro

Sentadas à espera dos portões se abrirem, minha amiga e eu cantávamos melancolicamente, pois foi o único recurso que achei ser um passatempo até que decidimos parar, forçadas pela perceptível ausência de dom vocal. O tempo não corria. Vi um colega passar, cumprimentei-o. Nada que acontecia fazia o relógio nos surpreender, tudo tão pacato. Crianças passavam, gente chegava e os números pareciam ter congelado. Finalmente, após várias consultas na tela do celular, minha amiga anunciou que chegara o momento das portas abrirem-se.
Após uns vinte minutos em pé, aguardando a boa vontade de quem era o responsável pelo feito, as duas amigas notaram alguns arrepios proporcionados pelo despencar da temperatura. Ingressos na mão, a qual umedecera de tanto segurá-los, documentos no bolso, ansiedade estampada no rosto e a porta, enfim, nos acolhia, depois de um empurra-empurra meio desesperado. Com os pés já para o lado de dentro da porta alegramo-nos, as expressões faciais eram a maior prova disso, afinal o frio não mais nos agarrava. Restava-nos agora encontrar os assentos que havíamos reservado e permanecermos ali, às gargalhadas, do início ao fim do espetáculo de humor.
Até que um rapaz acompanhado de mais três amigos senta-se à nossa frente. Alto, magro, loiro, com aparência de vinte anos de idade. Ele vestia uma camiseta preta e nas costas havia sido inscrita, em letras brancas, a música da banda britânica Led Zeppelin. Confiando na minha memória, a música ou era Communication Breakdown ou Immigrant Song. O fato de ele ser rockeiro, ou não, me era indiferente e, por isso, continuei a fitar ansiosamente o palco; os humoristas haviam se atrasado.  
Finalmente as cortinas se afastaram uma da outra e a apresentação estava começando. O apresentador, se é assim que posso chamá-lo, pediu desculpas pelo atraso e, como pretexto e justificativa para tal, piadas locais como congestionamento, construção de ponte/ viaduto eram jogadas para a plateia. Com os olhos e ouvidos mais apurados, as pessoas se manifestavam e tentavam responder prontamente as perguntas. A apresentação dos outros participantes foi feita e agora o show era para valer.
O nosso vizinho, entretanto, começou a se inquietar e levantou a cabeça ligeiramente. Para propagar a voz na velocidade da luz, elevava-a na medida em que as pessoas eram solicitadas a participar. De onde eu estava, era ele quem mais gritava. Senti duas profundas vontades: a primeira era chamá-lo por intermédio de um “tapinha” discreto no ombro, olhá-lo nos olhos, estampar um sorriso tímido, quase que amigável, e dizer que eu não estava ali para vê-lo e não havia pagado para assistir àquele show; a segunda, era a de ter uma metralhadora.
Se esse rapaz é engraçado entre os seus amigos, se ele faz sucesso com as suas piadinhas, se ele já conquistou alguém assim, se ele é feliz, não importa, pois o seu comportamento era, naquela ocasião, estupidamente importuno. A cada nova tentativa de demonstrar a sua habilidade satírica, ele fracassava. Nem os três amigos riam das suas supostas frases bem elaboradas e a consequência de ser agradável com alguém assim é assistir-se aos dois espetáculos pela metade. Vale lembrar que um deles custou para estar ali e aquele trio estava ciente disso.
Incomodo-me até agora ao lembrar-me das inúmeras vezes em que o tal rapaz urrava insistentemente por “repolho” e em nenhuma delas a palavra faria sentido, o que, então, faz-me perguntar: “o que faz uma pessoa em sã consciência passar tanta vergonha num dia só?” Se é que estava em sã consciência mesmo. Não posso esquecer-me de quando “A menina que roubava livros” entrou na cena e eu quis explodir com o nosso colega, porque ele teve espaço, tempo, raciocínio para formular uma das piadas mais clichês ao se referir a livros (ou filmes, novelas) e a audácia de proferi-la achando que teria graça: “Ela morre no final, hehe.” Tão engraçadão! Ele queria que nós o aplaudíssemos? Que palhaço!
Para fechar, já que o cidadão é rockeiro, tento atribuir algum sentido a esse episódio utilizando-me das palavras de uma música interpretada pela Pitty: “Mesmo que seja estranho, seja você. Mesmo que seja bizarro, bizarro, bizarro”. Possivelmente, o rapaz do colapso da comunicação adquiriu-se dessas palavras como o lema do seu dia-a-dia. Considerando que isso seja verdade, que essa canção seja do imigrante, nisso ele se sai muito bem. Não ter vergonha de si mesmo é o que há. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário